Acordo na cama com o pingar da fresta na caixa de madeira da persiana que goteja para o interior do quarto (um antiga racha no prédio cinzento de azulejos amarelos). Ouço o sino dar-me o tempo real e os carros que abrem sulcos no chão molhado, pelo resvale aquático. Levanto-me e corro para a sanita (ainda a guiness de ontem!); quando lavo a cara, percebo que contei mal uma badalada e decido ligar o deezer da jornada nocturna enquanto arrumo a sala (computador e mantas de viagem no sofá amarfanhado). Visto-me ao som dos pássaros femininos, recupero a roupa quase limpa, sem banho e calço as botas secas no aquecedor a óleo. Lenço debotado ao pescoço e casaco de pele com capuz; telemóveis na bolsa e no bolso, carteira e factura da internet para pagar. Escovagem e enxaguamento bucal, passagem de mão para accionar e alisar popa capilar, medicinas e laranjas verdes para refrescar a brisa; anel no dedo, despejo cinzeiro e pego no guarda-chuva portátil. Saio apressadamente.
Cruzo-me com os fregueses da eucaristia. No pólo cheio de senhores ao balcão, o empregado vem ter comigo ao quiosque e peço-lhe tabaco e jornal. Como os que tem estão reservados, deixa-me com o maço e a nota na mão enquanto a madonna celebra baixinho no soturno covil de reformados, desocupados e intoxicados. Volta, paga e com o euro restante, atravesso a passadeira. No café central, peço a rosca habitual e volto para a rua. Paro cá fora, a contemplar a calma, e acendo um cigarro – maximinos não é mais que uma rotunda em slow motion levemente agitada, com gradeamentos azuis. Pela pouca luz, por entre a chuva miúda, noto as obras dos correios e os prédios de habitação com publicidade - aperto o rolo de papel e saco de pão contra o peito e abro o chapéu, aguardando a passagem de dois transeuntes que também dali se escapam, percorrendo a calçada, perseguindo um terceiro e notando o carro lavado à porta do meu bloco. Engano-me nas chaves iguais e fecho a porta de vidro e ferro atrás de mim. Subo até ao terceiro, abrindo a cor bege marmoreada dos mosaicos e o brilho verde dos cristais embutidos no friso lateral.
Tiro o leite do velho frigorífico a encher de gelo, encho o meio púcaro reultilizando-o e à caneca do bocage, para aproveitar o que falta do café em galão alentejano. Abro o pão e leio as notícias: depois da tempestade, dos sismos e enxurrada, decido juntar tudo e dar-lhe a versão holística, sem pena, perda ou piedade. E continuar... sempre.
Can't Stop Moving
Sonny J | Vídeos de Música do MySpace
A três dias de três anos...
3 comentários:
Que saudades disto, caramba...
Abração.
Bem vindo...
só para segredar uma coisa e fugir de seguida: estou muito contente por te saber de volta! pleno e musical! feliz.
um grande abraço
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