04 outubro 2008

The End of the End of Times I



“De facto, se o investimento historicista constituía prática adequada a uma concepção acumulativa, evolutiva e continuística do tempo, hoje a situação parece ser diferente. As mudanças sociais que ocorreram no mundo e a contestação feita tanto às filosofias da história como às suas ideias norteadoras (perfectibilidade, evolução, continuísmo, progresso, previsibilidade), instalaram um sentimento de descontinuidade, pluralidade, variação e não sentido em relação ao tempo (psicológico e histórico). E a diminuição da sua vivência como presente real (complexo e tensional) tem provocado, em simultâneo, a “morte” pretensão de se domesticar e programar o futuro, diluída na euforia do viver em tempo real. Com isso caiu-se num culto do presente, como se este fosse uma incessante eternidade, sem abertura para o passado e para o porvir, mnemotropismo que exprime a perda de referências e o decréscimo da adesão dos indivíduos a identidades holísticas externas. Atitude que parece ter como uma das suas causas o esgotamento das “filiações escatológicas”, ou melhor, das grandes memórias e narrativas organizadoras e reprodutoras do elo social (família, igreja, partido, sindicato, nação, humanidade), e conferidoras de uma direcção para a história. Daí que a ideia de futuro (como a de futuro do passado) tenha enfraquecido., como se não mais existisse qualquer distância entre o passado e o presente, ou melhor, entre o campo de experiência e o horizonte das expectativas. O que se pergunta, porém, é se uma dada situação histórica, que tende a banalizar a ideia de Novo, confundindo-a com o efémero e o vazio, pode estancar de vez, a índole desejante do modo de ser do homem, insatisfação que o incita à criação do que ainda não é. Ora, como salienta Santo Agostinho, o homem é “bestia cupidissima rerum novarum, ‘animal avidíssimo de coisas novas’, tanto no sentido do ‘mais’, como no sentido do ‘de outro modo’”.


Caminhos do Fim da História" - Fernando Catroga 2003 (com citações de Paul Ricoeur, François Hartog, Jérome Baschet e Pedro Laín Entralgo) pela Quarteto Editora

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