06 abril 2010

Sus_Pense

Depois de um mergulho no cabedelo (o primeiro do ano!), no trigésimo nono aniversário da morte do senhor de baixo e a três meses dos meus trinta e dois de vida, esperamos que o voo legislativo venha garantido (nos artigos 1º, 2º, 4º e 5º do decreto de Lei nº9/XI, já que o 3º não foi enviado para o tribunal constitucional pelo nosso representante máximo - quais famílias!?) amanhã à tarde, e que não o revogue! Enquanto as palavras se medem, aguardemos...

Previamente gratos ao pássaro de fogo e ao folclore russo...


"Uma manhã, perto do meio-dia, viu os banhistas que suspendiam as suas actividades e contemplavam, todos ao mesmo tempo, como era usual, o horizonte. Não acontecia nada. Mas então, pela primeira vez, os banhistas viravam-se e começavam a abandonar a praia. Alguns deslizavam por uma estrada de terra que havia entre dois morros, outros caminhavam em campo aberto, agarrando-se às matas e às pedras. Uns quantos perdiam-se em direcção ao desfiladeiro e Pelletier não os via mas sabia que iniciavam uma lenta escalada. Sobre a praia, só ficava um vulto, uma mancha escura que sobressaía de uma fossa amarela. Durante uns instantes Pelletier ponderava a vantagem de descer até à praia e enterrar com todas as precauções que o caso exigia, o vulto no fundo do buraco. Mas bastava-lhe imaginar o longo caminho que tinha de percorrer até chegar à praia para ficar a suar, e cada vez suava mais, como se uma vez abertas as válvulas, não fosse possível fechá-las.
E então observava uma tremura no mar, como se a água também suasse, isto é, como se a água se pusesse a ferver. Uma fervura que mal se notava e que se espalhava em ondas, até se montar nas vagas que iam morrer à praia. E então Pelletier sentia que estava a ficar enjoado e um zumbido de abelhas chegava do exterior. E quando o zumbido de abelhas acabava, instalava-se um silêncio ainda pior na casa e nas áreas circundantes. Pelletier gritava o nome de Norton e chamava-a, mas ninguém acudia ao seu chamamento, como se o silêncio tivesse engolido o seu pedido de auxílio. Então Pelletier punha-se a chorar e via que do fundo do mar metalizado, emergia o que restava de uma estátua. Um pedaço depedra informe, gigantesco, desgastado pelo tempo e pela água, mas onde ainda se podia ver, com total clareza, uma mão, o pulso, parte do antebraço. Essa estátua saía do mar, elevava-se sobre a praia, e era horrorosa e ao mesmo tempo muito bela."

Roberto Bolaño - 2666 (Pag. 101/2)
 Edições Quetzal, Tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra.

Sem comentários: