Recorrido o novo hospital e o redondo da boavista para pagar portagens nos correios, visito a mãe gémea e partimos pelos vales solitários até aos penedos e aí paramos para re_pousar e avistar as obras que os perfuram - pela nacional, acompanhamos o túnel que se segue até à sua saída para funeral que já ocorreu e do parado cemitério para a leda natureza em regeneração - as feridas que saram lentamente o rasgar da paisagem. Vamos então a panoias onde confluem os rios nessa pólis imperfeita e da sua catedral sem cabeça em intervenção polémica (currículo aqui e vídeo da instalação em baixo); ainda o espólio secular, dramas de barros e palavras - aleo!
Ao norte, pela samardã, pena de aguiar e vasta veiga, uma cutícula de lua sob a ponte na cidadelha de avelames e a ceia fraca na ordem certa em altas terras ao fundo das ribeiras! Mais sobre o autor que nos perseguiu hoje, neste blog e a seguir, para a quadra:
Ordinariamente, chamam-se á franceza - espirituosos - uns sugeitos dotados de genio motejador, applaudidos com a gargalhada, e aborrecidos áquelles mesmos que os applaudem. São os caricaturistas da graciosidade. O «espirituoso», á moderna, abrange os variados officios que, antes da nacionalisação d'aquelle extrangeirismo, pertenciam parcialmente aos seguintes personagens, uns de caza, outros importados:
Chocarreiro--tregeiteador--arlequim--palhaço--proxinella--polichinello--maninêllo--truão--jogral--goliardo--histrião--farcista--farçola--végete--bobo--pierrot--momo--bufão--folião, etc.
Esta riqueza de synonimia denota que o bobo medieval bracejou na peninsula iberica vergonteas e enxertias em tanta copia que foi preciso dar nome ás especies. Ora, o «espirituoso» tem de todas. A antiga jogralidade, que era mestér vil, acendrada nos secretos crizoes do progresso social, chegou a nós afidalgada em «espirito», e com o fôro maior de faculdade poderosa, caustica, implacavel.
Ainda assim o estreme espirito portuguez, por mais que o afiem e agucem, é sempre rombo e lerdo: não se emancipa da velha escola das farças: é chalaça.
Ha poucos mezes, falleceu em Lisboa um «espirituoso» que andou trinta ou quarenta annos a passear a sua reputação entre o Chiado e o Rocio. As gazetas, ao mesmo passo que nos inculcavam o defunto como pessoa que vivêra aventurosamente uns setenta annos tingidos com primoroso pincel, descontavam n'estes defeitos a sua immensa graça, e reproduziram nova edição melhorada das suas anecdotas.
Averiguado o «espirito» do homem em coisas burlescas de que fez mercancia na feira politica, liquida-se, quando muito, um folião que desbragava a penna e desembestava asselvajadamente o insulto. Por este, que não deixou nome sobre-vivente para vinte quatro horas - nem o terá aqui - orça a maioria dos jograes que tenho visto, nos ultimos trinta annos, esburgar o osso da facção que lhes alquilla o engenho de trahidor, e acabarem antes da geração que os galardoou com a moeda falsa das rizadas.
O satyrico de sala e botequim é mais funesto e menos trivial que o politico; mais funesto por que vulnéra melindres - coisa que o callôso peito da politica não tem nem finge; menos trivial, porque o chiste de Sterne, de Byron, de Voltaire, do padre Isla, de Heine e Boerne não apégou aqui, nem se adelgaça á feição da nossa indole, bem accentuada nas chocarrices plebeas de Gil Vicente e Antonio José.
Camillo Castello Branco - Novellas do Minho (2ª Ed. post_mortem em 1903, incluindo o Anátema) ou como nos cita Natália Correia «a quadra que [aqui] o representa, fruto de um feliz repente, foi exarada pela mão do romancista no final do livro de Bernardo Branco "D. Afonso VI e Sua Sereníssima Esposa"...»:
Naquelas eras corruptas,
era severa a justiça,
se as rainhas eram putas
e os reis tinham frouxa a piça.
(inédito (?) manuscrito da biblioteca de Cardoso Marta)
1 comentário:
Das terras transmontanas às palavras de um minhoto célebre.
Enviar um comentário