07 abril 2009

Shade_(Fake)Shape II

...Dentro deste contexto, defendi que o papel unificador da consciência é o de dar coerência à nossa experiência. Ora bem, tal congruência é bastante arbitrária. Consegue-se formulandohipóteses e contando histórias que encaixem umas nas outras, que sejam congruentes entre si,sem que tenha muito sentido perguntarmo-nos se cada uma dessas narrações em particular é “verdadeira” ou o reflexo fiel das experiências, pois é o conjunto de todas elas que resulta como algo útl ou aceitável. A consciência elabora interpretações,isto é, unidades superiores que dão sentido aos átomos da experiência. Para isso conta histórias, mas depois de terem ocorrido os factos e das experiências terem tido lugar, ou depois de termos tomado as decisões. [...] A consciência está todo o tempo encaixando coisas dentro das narrações verbais e não verbais. [...] Em resumo, a consciência equipara-se à montagem final de um filme, graças à qual adquirem coerência as sequências que foram anteriormente filmadas.
Desempenhando este papel, o eu apresenta-se como um grande fabulador. Se a memória entrelaça materiais de diversas origens, mudando as suas narrações uma e outra vez, o mesmo faz a consciência em cada breve momento, entrelaçando percepções actuais com outros estados mentais. Por isso, o presente e opassado que aparecem à nossa consciência são diferentes versões ou “esboços múltiplos” de interpretações das nossas sensações e emoções. Não há uma versão que seja autêntica, a original, deque as demais sejam falsificações.
Mas, se não há um núcleo de identidade psíquica, se esta é modular e, para além disso, mutável e pouco fiável, haverá pelo menos uma hierarquia dentro destes módulos, um processador central que controle as execuções de todos os subordinados e que seja o nosso referente quando falamos de nós mesmos?



Alberto Carreras, Ciências Cognitivas e/in Identidade Pessoal – Caminhos e Perspectivas pela Quarteto (2004)
Entrelaçando luto, insónia e um gripe pneumónica...

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