"Temos até aqui, na sua ordem cronológica, o desenvolvimento debatido e curial da eternidade. Conceberam-na homens remotos, homens barbudos e mitrados, publicamente para confundir heresias e para reabilitar a distinção das três pessoas numa, secretamente para deter de qualquer modo o decorrer das horas. «Viver é perder tempo: nada podemos recuperar nem conservar senão sob a forma de eternidade», leio no espanhol emersonizado Jorge Santayana. Ao qual basta justapor aquela terrível passagem de Lucrécio, sobre a falácia do coito: «Como o sequioso que no sonho queria beber, e esgota formas de água que não se sacia e morre abrasado pela sede no meio de um rio: assim Vénus engana os amantes com simulacros, e a visão de um corpo não lhes dá fartura, e nada podem soltar ou guardar, embora as mãos indecisas e mútuas percorram todo o corpo. Por fim, quando nos corpos há presságio de venturas e Vénus está a ponto de semear os campos da mulher, os amantes apertam-se com ansiedade, dente amoroso contra dente; absolutamente em vão, dado que não chegam a perder-se no outro nem a ser um mesmo ser.» Os arquétipos e a eternidade — duas palavras — prometem possessões mais firmes. A verdade é que a sucessão é uma intolerável miséria e que os apetites magnânimos cobiçam todos os minutos do tempo e toda a variedade do espaço.
Sabe-se que a identidade pessoal reside na memória e que a anulação desta faculdade implica a idiotia. Pode-se pensar o mesmo do universo. Sem uma eternidade, sem um espelho delicado e secreto do que passou pelas almas, a história universal é tempo perdido, e nela a nossa história pessoal — que nos envaidece incomodamente. Não basta o disco gramo-fónico de Berliner ou o perspícuo cinematógrafo, meras imagens de imagens, ídolos de outros ídolos. A eternidade é uma invenção mais copiosa. É verdade que não é concebível, mas o humilde tempo sucessivo também não o é. Negar a eternidade, supor a vasta aniquilação dos anos carregados de cidades, de rios e de júbilos, não é menos incrível do que imaginar o seu total salvamento."
Sabe-se que a identidade pessoal reside na memória e que a anulação desta faculdade implica a idiotia. Pode-se pensar o mesmo do universo. Sem uma eternidade, sem um espelho delicado e secreto do que passou pelas almas, a história universal é tempo perdido, e nela a nossa história pessoal — que nos envaidece incomodamente. Não basta o disco gramo-fónico de Berliner ou o perspícuo cinematógrafo, meras imagens de imagens, ídolos de outros ídolos. A eternidade é uma invenção mais copiosa. É verdade que não é concebível, mas o humilde tempo sucessivo também não o é. Negar a eternidade, supor a vasta aniquilação dos anos carregados de cidades, de rios e de júbilos, não é menos incrível do que imaginar o seu total salvamento."
Jorge Luís Borges - História da Eternidade 1936 - inspirado na frase escrita na pedra do Público de hoje:
"O dever de todas as coisas é ser uma felicidade".
4 comentários:
Que citações tão significativas que por aqui andam...
(Sabes que as ando a coleccionar? Espero que não te importes.)
:-)
Um Abraço!
Estou como o Sócrates; um pouco admirado, mas muito bem impressionado com estes teus últimos posts; o facto de não comentar o seu conteúdo, não significa que os não tivesse lido, antes pelo contrário; li-os mais que uma vez, mas sinceramente são tão densos que é difícil dizer algo; mais vale meditar sobre eles e acho que é isso que tu pretendes.
Abraço.
Vamos fazer o favor de cumprir o nosso dever.
Desculpem o atraso (esta timidez e auto-desconfiança) mas tenholido tudo aqui, e têm sido muito importantes os vossos comentários!
à vontade, Sócrates, para isto mesmo partilhamos!
Pinguim, tu és o meu Rei aqui; sim, é para pensarmos um pouquinho nas questões que rodeiam a Vida!
Mas sem tormentos! Um grande abraço.
É isso, Paulo, ser para. E tu tens sido: mesmo. Naturalmente agradeço!
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