31 agosto 2008

Skin_War

"Ela despiu a roupa interior pela cabeça e atirou-a para o chão. Deu um passo para o lado para descalçar os sapatos e ficou alguns momentos imóvel ao pé deles. A seguir virou-se.
Tudo o que acontecera, cada toque e cada olhar, entrelaçava-se na sua pele como a fenda de um vidro estilhaçado em todas as direcções a partir de um ponto, no espaço escuro e transparente daquela noite. Ela olhou para o cubo dourado do baton e viu Lara girá-lo continuamente entre as mãos. Viu David acocorado no chão entre as pernas dela. Viu Lara a acariciar lentamente a púbis.
«A minha pele é a topografia de uma guerra», pensou ela. «Nela decorrem planos e intrigas, lutas de morte, tropas de guerrilheiros, alianças e perdidos de rendição. A minha pele é o território de uma matança cuja evolução não compreendo. Negoceia-se sobre mim, efectuam-se ofensivas cujos objectivos desconheço. Urdem-se escaramuças e não sei contra quem. Fontes desconhecidas fornecem-me rectificações, travam-se acordos e não sei porque preço. Porem a letra é sempre perceptível», pensou ela, e viu o brilho do líquido à volta da boca de David. Viu-o levantar-se e dirigir-se para ela. Viu-o pegar num cabo que Matern lhe passou e enrolá-lo à volta do tronco, dando-lhe um nó e atando-o com a outra mão atrás das costas. Viu-o ajoelhar à frente dela e apertar dois nós corrediços à volta dos tornozelos dela. Viu-o apertar uma barra de metal com aselhas ao gancho preso à corda. As coxas dela abriram-se muito. Ela deixou que isso acontecesse.
E viu-o despir-se. Reparou novamente no seu sexo retalhado. E completamente mutilado. Leu a frase gravada nas nádegas dele. «Chumbo líquido», pensou. O peito queimado e o mamilo arrancado. O umbigo dele era uma cratera escura. David possuiu-a, ergueu-a e sentou-a sobre a mesa. Apertou o gancho da roldana à barra, que Matern baixou do tecto. O eixo foi descendo com o estalido das rodas dentadas. O cabo de aço esticou-se no gancho, e os laços presos aos maléolos dela apertaram."




Thomas Hettche - Nox (1995) nos pequenos prazeres da asa em 98.

4 comentários:

João Roque disse...

Porra, porra e mais porra...
Olha...um abracito...cuidado...assim...não apertes muito...

Manuel Braga Serrano disse...

ui, este romance!! Nox encheu-me as medidas durante dois dias. Li-o três vezes seguidas e sempre em deslumbramento! lembro-me que de seguida li A Pianista de igual modo. Andei parvo... tanto mais que mexeram com a minha líbido, mas é tudo uma questão estética, coisa de ritualista

Catatau disse...

Chiça! Prefiro as "Alucinações de um drogado" do Borroughs. Mais soft.
(... é por questões estéticas.)

João disse...

As minhas experiência S-M já passaram, mas em texto são sempre impressionantes, Pinguim!

A mim, tanto que veio na mala para re_ver. Sobre a senhora só em filme, MBS. Abraço bem apertado (com nós de marinheiro)

Não deixa marcas de cigarro, mas queima bem o miolinho, Catatau! A beleza do sangue que me encanta...