La Mer - Charles Trenet
«Remei até à lancha, amarrei de novo o bote à ponte_cais e fui finalmente dormir. Enfrentara o silêncio do Oriente. Ouvira um pouco da sua linguagem. Mas quando voltei a abrir os olhos, o silêncio era total como se nunca tivesse sido interrompido, Estava deitado numa enchente de luz e o céu pareceu-me distante como nunca antes, imensamente lá em cima. Abri os olhos e fiquei deitado sem me mexer.
E depois vi os homens do Oriente... a olharem para mim. A ponte_cais estava repleta de gente. Vi rostos morenos, bronzeados, amarelos, os olhos negros, o brilho, a cor de uma multidão oriental. E todos estes seres fitavam-nos sem um murmúrio, sem um suspiro, sem um movimento. Fitavam os botes em baixo, os homens adormecidos que durante a noite ali tinham chegado por mar. Estava tudo parado. As frondes das palmeiras mantinham-se imóveis contra o céu. Nem um ramo se agitou ao longo da borda do mar, e os telhados castanhos das casas esconsas espreitavam através da folhagem verde, através das enormes folhas que pendiam, brilhantes e imóveis, como forjadas em metal pesado. Este era o Oriente dos navegadores de outrora, tão antigo, tão misterioso, resplandescente e sombrio, vivo e inalterado, repleto de perigos e promessas. E estes eram os seus homens. Sentei-me num repente. Uma onda de movimento atravessou de um extremo ao outro a multidão, passou sobre as suas cabeças, fez oscilar os corpos como uma pequena ondulação à superfície da água, como uma leve aragem sobre um campo – depois tudo voltou a ficar imóvel. Consigo vê-los agora: o imenso contorno da baía, as areias brilhantes, o abundante verdor, infinito e variegado, o mar azul como um mar de sonho, a multidão de rostos atentos e o esplendor de cores intensas – a água reflectindo tudo isto, a curva da borda do mar, a ponte_cais, os navios exóticos de popa alta flutuando silenciosos, e os três botes com homens do Ocidente exaustos, dormindo, sem consciência da terra e das gentes e da violência da luz do sol.(...)
Desde então, pude reconhecer-lhe o encanto; vi as suas misteriosas bordas de mar, a água tranquila, as terras de gente morena onde uma Némesis furtiva aguarda, persegue e surpreende a maioria da raça conquistadora, que sente orgulho no seu bom senso, na sua sabedoria, na sua pujança. Mas para mim, o Oriente encerra-se nesta visão da minha juventude. Resume-se ao instante em que abri os meus jovens olhos. E dei com ele após uma fortuna no mar... e era jovem... e vi-o a olhar para mim. E só isto me resta dele! Um instante; um instante de pujança, de romance, de sedução... de juventude!... Um piparote de sol numa estranha borda de mar, o tempo para dele me lembrar, o tempo de um suspiro e adeus! É de noite... Adeus!...»
Bebeu.
«-Ah! Bons velhos tempos! Bons velhos tempos! Juventude e mar. Encanto e mar! O mar bom, valente, o mar salgado, amargo, capaz de nos segredar e de berrar connosco, de nos cortar a respiração.»
Tornou a beber.
«-De tudo quanto existe de maravilhoso no mundo, julgo nada se comparar ao mar, ao mar em si próprio – ou será que à juventude? Quem saberá?»
Juventude – Joseph Conrad 1898 pelas Ed. Quasi Agosto 2008
«Remei até à lancha, amarrei de novo o bote à ponte_cais e fui finalmente dormir. Enfrentara o silêncio do Oriente. Ouvira um pouco da sua linguagem. Mas quando voltei a abrir os olhos, o silêncio era total como se nunca tivesse sido interrompido, Estava deitado numa enchente de luz e o céu pareceu-me distante como nunca antes, imensamente lá em cima. Abri os olhos e fiquei deitado sem me mexer.
E depois vi os homens do Oriente... a olharem para mim. A ponte_cais estava repleta de gente. Vi rostos morenos, bronzeados, amarelos, os olhos negros, o brilho, a cor de uma multidão oriental. E todos estes seres fitavam-nos sem um murmúrio, sem um suspiro, sem um movimento. Fitavam os botes em baixo, os homens adormecidos que durante a noite ali tinham chegado por mar. Estava tudo parado. As frondes das palmeiras mantinham-se imóveis contra o céu. Nem um ramo se agitou ao longo da borda do mar, e os telhados castanhos das casas esconsas espreitavam através da folhagem verde, através das enormes folhas que pendiam, brilhantes e imóveis, como forjadas em metal pesado. Este era o Oriente dos navegadores de outrora, tão antigo, tão misterioso, resplandescente e sombrio, vivo e inalterado, repleto de perigos e promessas. E estes eram os seus homens. Sentei-me num repente. Uma onda de movimento atravessou de um extremo ao outro a multidão, passou sobre as suas cabeças, fez oscilar os corpos como uma pequena ondulação à superfície da água, como uma leve aragem sobre um campo – depois tudo voltou a ficar imóvel. Consigo vê-los agora: o imenso contorno da baía, as areias brilhantes, o abundante verdor, infinito e variegado, o mar azul como um mar de sonho, a multidão de rostos atentos e o esplendor de cores intensas – a água reflectindo tudo isto, a curva da borda do mar, a ponte_cais, os navios exóticos de popa alta flutuando silenciosos, e os três botes com homens do Ocidente exaustos, dormindo, sem consciência da terra e das gentes e da violência da luz do sol.(...)
Desde então, pude reconhecer-lhe o encanto; vi as suas misteriosas bordas de mar, a água tranquila, as terras de gente morena onde uma Némesis furtiva aguarda, persegue e surpreende a maioria da raça conquistadora, que sente orgulho no seu bom senso, na sua sabedoria, na sua pujança. Mas para mim, o Oriente encerra-se nesta visão da minha juventude. Resume-se ao instante em que abri os meus jovens olhos. E dei com ele após uma fortuna no mar... e era jovem... e vi-o a olhar para mim. E só isto me resta dele! Um instante; um instante de pujança, de romance, de sedução... de juventude!... Um piparote de sol numa estranha borda de mar, o tempo para dele me lembrar, o tempo de um suspiro e adeus! É de noite... Adeus!...»
Bebeu.
«-Ah! Bons velhos tempos! Bons velhos tempos! Juventude e mar. Encanto e mar! O mar bom, valente, o mar salgado, amargo, capaz de nos segredar e de berrar connosco, de nos cortar a respiração.»
Tornou a beber.
«-De tudo quanto existe de maravilhoso no mundo, julgo nada se comparar ao mar, ao mar em si próprio – ou será que à juventude? Quem saberá?»
Juventude – Joseph Conrad 1898 pelas Ed. Quasi Agosto 2008
Mural assinalando as festividades do Ano Novo |
1 comentário:
O mural é magnífico, principalmente depois de ampliada a imagem.
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