“1. Já depois de ter dado entrada no Kleppur, o hospital psiquiátrico que se ergue à beira-mar, como um enorme palácio, veio-me à memória um dia cinzento de nevoeiro em que eu, ainda criança, estava numa rua esburacada a olhar para as casas e para as poças de água.
Subitamente, vi um senhor de meia-idade sair de uma das casa e descer as escadas, molhadas da chuva. Com ele vinha o filho, um rapaz esguio, na casa dos vinte.
O filho tinha cabelo escuro e ondulado. Vestia um casaco de cabedal curto, com gola de pele, enquanto o pai usava um corta-vento claro e calças largas, limpas.
O pai agarrava o filho pelos ombros, empurrando-o para a frente com impaciência. Os punhos da sua camisa de xadrez apareciam sobre as mangas do corta-vento e os cabelos, no nevoeiro, revelavam uma estranha falta de cor.
Quando chegaram ao meio da rua, corri em direcção a eles e gritei ao pai:
- Para onde é que o vai levar?
O pai virou-se, sem largar o ombro do filho.
- Para o Kleppur – respondeu com rispidez.
Vi que a testa, húmida, brilhava. A expressão do rosto era como um ranger de dentes. Por detrás do negrume dos olhos, ardiam chamas.
E desapareceram no nevoeiro.
Foram engolidos, como nas lendas misteriosas que a minha mãe me contava ao deitar e que começavam quase todas com as palavras: «Era uma vez, há muito, muito tempo,...»
Em tais lendas, pessoas despareciam para dentro de pedras e rochas, ou perdiam-se pelos caminhos, na escuridão das florestas, enquanto as estrelas cintilavam no céu.
Cintilavam como inúmeros olhos brilhantes, lá fora, na escuridão; escuridão essa que mais tarde haveria de pairar sobre mim, sem estrelas nem luar.
Nunca mais voltei a ver o pai ou o filho, e até hoje ponho em dúvida se este incidente terá realmente ocorrido.
Se eu estava a olhar para outro mundo, era real aos meus olhos; se, porém, era a realidade, não a compreendo de forma alguma.
Talvez compreenda tão pouco a realidade como a realidade a mim. Neste aspecto, estamos quites. A realidade, no entanto, não me deve explicações, e eu cumpri com o que lhe devia.
Seria bom poder, simplesmente, responder como fez o filósofo alemão Hegel, quando alguém lhe disse que as suas teorias não estavam de acordo com a realidade: «Coitada da realidade, tenho pena dela.»
Os poetas podem escrever assim.
Os filósofos podem falar assim.
Mas nós, que estamos internados em hospitais e fechados em instituições, não temos resposta alguma quando as nossas ideias colidem com a realidade, pois, no nosso mundo, são os outros que têm razão e sabem discernir o que está certo e o que está errado.
A nuvem de medicamentos paira no ar, como se os dias estivessem parados.
- Páll!
Assusto-me ao ouvir o meu próprio nome, mas não há reacções visíveis; estão longe, muito longe, no interior da nuvem que paira no ar.
Nas profundezas dos olhos, a tranquilidade não tem fim.
Na fria bonança, a tempestade.
2. Eu era um cavalo louco aos olhos da eternidade. Mais tarde, quedava-me deitado a olhar o céu.
E o sol penetrava o meu coração.
E as chamas do encanto ardiam...”
Einar Már Gudmundsson – *Anjos do Universo 1993 (publicado pela Canguru em 2003)
Em comemoração do dia mundial da saúde mental - e por memórias ao pequeno-almoço.
19 outubro 2008
Min(h)a_D(h)ouro
Semana d’entrevistas sucessivas, aniversários, corridas desgastantes que culmina no passeio de sábado com o co_habitante também estrangeiro, por vales e vilas verdes: paramos na ponte da barca, junto ao lima de águas calmas, poderosas e cristalinas, o forte calor outonal; subimos pelas casas de pedra abandonadas, uma capelinha aberta, o cheiro a mofo das madeiras que se abatem, os brasões suspensos no tempo dos muros, tudo reportado fotograficamente.
Cruzes de credos presentes, a reformulação do granito viário, um café na venda da esquina e nova partida nervosa – passagem pela rápida batalha de valdevez – para os esses dos declives, o serro rochoso que se insurge a toda à volta, a encosta inclinada vermelha e nua, denso coberto vegetal na descida, vinhas e milheirais a perder de vista até monção, esquecida na fortaleza da fronteira.
Chegada às fontes afundadas pela história, lanche na padaria do brasileiro (e a vida virou!), passeio pela praça da danaide Deuladeu, deslumbramento pelas raias do minho e percorrido pelas ruas estreitas da vila, de românico templo. Acompanhando a estrada no rasgo do rio, atingimos valença e atravessamo-lo para a belíssima fortaleza de tuy pela ponte fechada.
Com o agora ilegal acompanhante, entramos na catedral e somos bombardeados pelo gótico que nos obriga a olhar para o alto e o dourado de toda a talha barroca nos altares em altura. Dali para casa pela auto-estrada, jantar rápido de strogonoff fingido para inaugurar a renovada sala de espectáculos com um festival de curtas feitas pela jovem população civil, ida para a casa que acolhe a iniciativa e o júri para a proclamação da eleição, (re) encontro com colegas actual e ancestral que depois de muitos alcoóis me leva ao insólito da noite profunda.
Dormida rápida (peço a vez no banho) para correr até ao comboio que me leva à capital do norte, directo a são bento estremunhado, coberto da azulejaria ilustrativa de ilustres glórias destas terras, café para os aliados e subterrâneos do metro límpido, apertado e suave. Mais luz pela superfície, saio na casa da música para um concerto na sala Suggia explicado por rui pereira – a sinfonia nº4 de carl nielsen (o inextinguível), pelo maestro eivind jensen – a iluminada melancolia escandinava mostrando a passagem do caos à ordem. Atravesso a mouzinho de albuquerque, ressacado e feliz, ligo às amigas_casal do sul e regresso à trindade por breves momentos. Bonjardim, formosa e santa catarina para uma alternativa saudável no macdonalds (sumo, sopa, salada, mcfish, fatias de pêra e maçã). Uma nova cidade, os mesmos cheiros, as mesmas actualizações, o mesmo sol. Da batalha para baixo, pelo cimoda vila; como falta hora e meia, subo os clérigos, calcorreio os paralelos e as folhas caídas nos mártires da pátria e, em frente ao hospital, tomo café e leio um conto de sal de gorki. Acompanho o eléctrico até à estação e já dormente, vou às compras, lancho e dobro a roupa. Este foi o meu compromisso, esta é a minha celebração nestas paisagens. Começo a ser de cá.
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie
Telegraf_Ama
Mudança Casa Colega Ameaça Senhoria Ganância STOP
Raio de Sol Timor Lisboa Despedida Amigas Oriente 13 STOP
Manhã Santuários JP Atraso Crashdown Multibanco STOP
Chegada Almoinha Jantar Russo 21 STOP
Carol Conde Redondo Comeback Alfama Piteira STOP
Sto Estevão Chapitô Chá Chicha Sta Luzia STOP
Arrumar Sesimbra Almoço Livro Família Cotovia STOP
Chuva Monka Vasco da Gama Estrada Noite Braga STOP
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie
08 outubro 2008
Educ’A(r)te_Ap(r)en’Dice I
A Regra de Bruner
“Na altura do Sputnik, houve um grande exame público à adequação do nosso sistema de ensino relativamente à tarefa que se nos deparava. De facto, muitas das reformas do novo currículo tinham começado antes – motivadas por uma percepção do fosso assustador entre o conhecimento especializado da nossa tecnologia e o conhecimento público. Creio que nunca se viverá um período de tão descuidada ou ritualista disposição para com o ensino público – mas, na verdade, o ensino público como conceito operatório ainda nem tem um século de vida!
Pode bem dar-se o caso de estarmos a entrar num período de maturidade tecnológica, em que a educação exigirá uma redefinição constante, e de esse período vindouro implicar um ritmo de mudança tão rápido na tecnologia específica que as aptidões restritas se tornarão obsoletas pouco tempo depois da sua aquisição. Efectivamente, talvez uma das propriedades definidoras de uma tecnologia muito amadurecida seja a existência de uma animada probabilidade de mudança tecnológica profunda no espaço de uma única geração – tal como a nossa assistiu a várias dessas importantes mudanças.
Juntamente com uns jovens alunos com quem estive a trabalhar no Verão de 1964, num currículo de estudos sociais, entretive-me a reformular a Regra de Bruner – a relação entre as mudanças decisivas e a ordem de magnitude em anos decorridos. Utilizei-a como extensão da lei quadrática para o ângulo retiniano – o tamanho da imagem retiniana é o inverso do quadrado da distância entre o objecto e o olho. Portanto, quanto mais longínquo um período de tempo, maior a sua duração para ser apreendido! Assim:
5 x 10 9 5 000 000 000 Nascimento da Terra
5 x 10 8 500 000 000 Vertebrados
5 x 10 7 50 000 000 Mamíferos
5 x 10 6 5 000 000 Primatas
5 x 10 5 500 000 Homem Actual
5 x 10 4 50 000 Grandes Migrações Glaciais
5 x 10 3 5 000 História Documentada
5 x 10 2 500 Imprensa
5 x 10 1 50 Rádio / Ensino de Massas
5 x 10 0 5 Inteligência Artificial
O que aprendi com os meus alunos foi a conclusão de que as coisas estavam a acontecer em catadupas. A vida começou provavelmente à volta de 2,5 x 109, de modo que metade da história da Terra decorreu sem vida. Cerca de 99,999% da vida da Terra não teve a presença humana e, daí para a frente, o registo é impressionante e assustador. De facto, poderia parecer que a principal característica das ferramentas e técnicas é gerarem outras ainda mais avançadas, a uma velocidade sempre crescente. E à medida que a tecnologia assim amadurece, a educação adquire, pela sua própria natureza, um papel cada vez maior, ao fornecer as aptidões necessárias para gerir e controlar o empreendimento em expansão.
A primeira resposta dos sistemas educativos, sob uma tal aceleração, é produzir técnicos, engenheiros e cientistas de acordo com as necessidades, mas é duvidoso que essa prioridade produza o que é preciso para gerir o empreendimento. É que nenhuma ciência ou tecnologia específica fornece uma metalinguagem quanto ao que pensar acerca de uma sociedade, da sua ciência e das mudanças constantes que estas sofrem com a inovação. Poderia um engenheiro mecânico ter previsto a morte da América das pequenas cidades com o advento do automóvel? Estava tão absorvido pela tarefa de fazer automóveis cada vez melhores que nunca lhe ocorreria considerar a cidade, a vereda, o lazer ou a lealdade local. De certa forma, quando se trata de gerir a mudança, são necessárias as pessoas com a percepção da continuidade e da respectiva oportunidade. Em breve voltaremos a este assunto.”
Para uma Teoria da Educação – Jerome Bruner 1966 (pela Relógio d’Água em Agosto de 1999)
A propósito da vertigem de Maurice e dos imperadores (Pinguim & TongZhi).
“Na altura do Sputnik, houve um grande exame público à adequação do nosso sistema de ensino relativamente à tarefa que se nos deparava. De facto, muitas das reformas do novo currículo tinham começado antes – motivadas por uma percepção do fosso assustador entre o conhecimento especializado da nossa tecnologia e o conhecimento público. Creio que nunca se viverá um período de tão descuidada ou ritualista disposição para com o ensino público – mas, na verdade, o ensino público como conceito operatório ainda nem tem um século de vida!
Pode bem dar-se o caso de estarmos a entrar num período de maturidade tecnológica, em que a educação exigirá uma redefinição constante, e de esse período vindouro implicar um ritmo de mudança tão rápido na tecnologia específica que as aptidões restritas se tornarão obsoletas pouco tempo depois da sua aquisição. Efectivamente, talvez uma das propriedades definidoras de uma tecnologia muito amadurecida seja a existência de uma animada probabilidade de mudança tecnológica profunda no espaço de uma única geração – tal como a nossa assistiu a várias dessas importantes mudanças.
Juntamente com uns jovens alunos com quem estive a trabalhar no Verão de 1964, num currículo de estudos sociais, entretive-me a reformular a Regra de Bruner – a relação entre as mudanças decisivas e a ordem de magnitude em anos decorridos. Utilizei-a como extensão da lei quadrática para o ângulo retiniano – o tamanho da imagem retiniana é o inverso do quadrado da distância entre o objecto e o olho. Portanto, quanto mais longínquo um período de tempo, maior a sua duração para ser apreendido! Assim:
5 x 10 9 5 000 000 000 Nascimento da Terra
5 x 10 8 500 000 000 Vertebrados
5 x 10 7 50 000 000 Mamíferos
5 x 10 6 5 000 000 Primatas
5 x 10 5 500 000 Homem Actual
5 x 10 4 50 000 Grandes Migrações Glaciais
5 x 10 3 5 000 História Documentada
5 x 10 2 500 Imprensa
5 x 10 1 50 Rádio / Ensino de Massas
5 x 10 0 5 Inteligência Artificial
O que aprendi com os meus alunos foi a conclusão de que as coisas estavam a acontecer em catadupas. A vida começou provavelmente à volta de 2,5 x 109, de modo que metade da história da Terra decorreu sem vida. Cerca de 99,999% da vida da Terra não teve a presença humana e, daí para a frente, o registo é impressionante e assustador. De facto, poderia parecer que a principal característica das ferramentas e técnicas é gerarem outras ainda mais avançadas, a uma velocidade sempre crescente. E à medida que a tecnologia assim amadurece, a educação adquire, pela sua própria natureza, um papel cada vez maior, ao fornecer as aptidões necessárias para gerir e controlar o empreendimento em expansão.
A primeira resposta dos sistemas educativos, sob uma tal aceleração, é produzir técnicos, engenheiros e cientistas de acordo com as necessidades, mas é duvidoso que essa prioridade produza o que é preciso para gerir o empreendimento. É que nenhuma ciência ou tecnologia específica fornece uma metalinguagem quanto ao que pensar acerca de uma sociedade, da sua ciência e das mudanças constantes que estas sofrem com a inovação. Poderia um engenheiro mecânico ter previsto a morte da América das pequenas cidades com o advento do automóvel? Estava tão absorvido pela tarefa de fazer automóveis cada vez melhores que nunca lhe ocorreria considerar a cidade, a vereda, o lazer ou a lealdade local. De certa forma, quando se trata de gerir a mudança, são necessárias as pessoas com a percepção da continuidade e da respectiva oportunidade. Em breve voltaremos a este assunto.”
Para uma Teoria da Educação – Jerome Bruner 1966 (pela Relógio d’Água em Agosto de 1999)
A propósito da vertigem de Maurice e dos imperadores (Pinguim & TongZhi).
07 outubro 2008
Andeca_Witiza
(ah, se eu fosse ermita, viveria aqui...)
(estou no reggae: hoje apetecia-me uma...)
O que eu queria para/no mundo era uma boa dose de paz de espírito como conforto, que despertasse a confiança no outro para se dar, se mostrar, se abrir à realidade que o cerca, com vontade e curiosidade por descobrir as coisas bonitas (sim, esta palavra tão simples e pueril...) que estão e se criam por aí. Mas muito tem que ruir ainda...
Avançando então, recuo ao FDS (que linda sigla!) onde umas massas e saladas na praça central da cidade adversária nos fazem perder pelo vale do rio antigo (essa deusa Nabia!) e atingir o alto da colina habitada por ferragiais, celtas e romanos e esplanar ao sol das frases livres com toda essa visão ilimitada.
O que eu queria para/no mundo era uma boa dose de paz de espírito como conforto, que despertasse a confiança no outro para se dar, se mostrar, se abrir à realidade que o cerca, com vontade e curiosidade por descobrir as coisas bonitas (sim, esta palavra tão simples e pueril...) que estão e se criam por aí. Mas muito tem que ruir ainda...
Avançando então, recuo ao FDS (que linda sigla!) onde umas massas e saladas na praça central da cidade adversária nos fazem perder pelo vale do rio antigo (essa deusa Nabia!) e atingir o alto da colina habitada por ferragiais, celtas e romanos e esplanar ao sol das frases livres com toda essa visão ilimitada.
Ultrapassar a barreira geológica que isola o “penico” urbano e aí buscar aulas de ioga até à hora do cinema. O domingo de limpezas e abastecimento antecipado, uma mala em pele e ida vespertina ao expositor social barulhento e brevemente iluminado. Também brevemente visitado (pensar que os mouros até aqui chegaram para destruir e conquistar...). Na volta perdida pela praça de são paulo, descobrir mostra de licores e doces conventuais, ouvir as histórias de família dos pequenos empreendedores artesanais e ainda subir à torre de Nossa Senhora, pelas escadas e patamares da história da cidade e seus fundadores em leitura lenta e virtual. Do topo, os horizontes logínquos e fechados deste universo.
Os dias ocupados pela sobrecarga de um ímpeto precipitado, mas que esperamos finalizar na ânsia de um trabalho organizador pela experiência de situações que daí adviram; o confronto com a soberba e um novo sentimento (desta vez, alter) de injustiça em explosões emocionais, controladas pelas supremas aparições do Bem.
Foi só um desabafo. Hoje vivo aqui.
Os dias ocupados pela sobrecarga de um ímpeto precipitado, mas que esperamos finalizar na ânsia de um trabalho organizador pela experiência de situações que daí adviram; o confronto com a soberba e um novo sentimento (desta vez, alter) de injustiça em explosões emocionais, controladas pelas supremas aparições do Bem.
Foi só um desabafo. Hoje vivo aqui.
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie,
Time_Less
05 outubro 2008
04 outubro 2008
The End of the End of Times I
“De facto, se o investimento historicista constituía prática adequada a uma concepção acumulativa, evolutiva e continuística do tempo, hoje a situação parece ser diferente. As mudanças sociais que ocorreram no mundo e a contestação feita tanto às filosofias da história como às suas ideias norteadoras (perfectibilidade, evolução, continuísmo, progresso, previsibilidade), instalaram um sentimento de descontinuidade, pluralidade, variação e não sentido em relação ao tempo (psicológico e histórico). E a diminuição da sua vivência como presente real (complexo e tensional) tem provocado, em simultâneo, a “morte” pretensão de se domesticar e programar o futuro, diluída na euforia do viver em tempo real. Com isso caiu-se num culto do presente, como se este fosse uma incessante eternidade, sem abertura para o passado e para o porvir, mnemotropismo que exprime a perda de referências e o decréscimo da adesão dos indivíduos a identidades holísticas externas. Atitude que parece ter como uma das suas causas o esgotamento das “filiações escatológicas”, ou melhor, das grandes memórias e narrativas organizadoras e reprodutoras do elo social (família, igreja, partido, sindicato, nação, humanidade), e conferidoras de uma direcção para a história. Daí que a ideia de futuro (como a de futuro do passado) tenha enfraquecido., como se não mais existisse qualquer distância entre o passado e o presente, ou melhor, entre o campo de experiência e o horizonte das expectativas. O que se pergunta, porém, é se uma dada situação histórica, que tende a banalizar a ideia de Novo, confundindo-a com o efémero e o vazio, pode estancar de vez, a índole desejante do modo de ser do homem, insatisfação que o incita à criação do que ainda não é. Ora, como salienta Santo Agostinho, o homem é “bestia cupidissima rerum novarum, ‘animal avidíssimo de coisas novas’, tanto no sentido do ‘mais’, como no sentido do ‘de outro modo’”.
Caminhos do Fim da História" - Fernando Catroga 2003 (com citações de Paul Ricoeur, François Hartog, Jérome Baschet e Pedro Laín Entralgo) pela Quarteto Editora
A_Bout:
Hard_Monnie,
Litter_Race,
Philo_Sophie
02 outubro 2008
Acto de Contrição
Perdoem-me os Meus Outros bloguistas, acreditem que vos leio e (mas) que ando sem inspiração e cheio de vazios afectivos que me permitam responder-Vos a todos no ânimo com que vos habituei. A todos guardo aqui e a todos Vocês é este pedido. Porque para mim, todos Vocês são especiais (cada um na sua forma e gesto de palavra). Votos de um bom Outubro!
(isto passa-me - mariquices minhas!)
(isto passa-me - mariquices minhas!)
A_Bout:
Die_Hairy
Hard_Works II
«O ídolo do trabalho está clinicamente morto, mas recebe respiração artificial através da expansão aparentemente autonomizada dos mercados financeiros. As empresas industriais obtém ganhos que já não resultam da produção e da venda de bens reais, que há muito se tornaram empreendimentos votados ao insucesso, mas sim da especulação em acções e divisas levadas a cabo pelos seus “habilidosos” departamentos financeiros.Os orçamentos públicos apresentam receitas que não resultam de impostos ou de empréstimos, mas da participação zelosa da administração financeira no jogo de azar dos mercados. E os orçamentos privados, que viram as recitas reais provenientes dos salários e honorários reduzir-se drasticamente, só conseguem manter um nível elevado de consumo à custa dos ganhos na bolsa. Surge assim uma nova forma de procura artificial que, por sua vez, arrasta consigo uma produção real e recitas fiscais reais “sem chão debaixo dos pés”.
Desta maneira, a crise económica mundial vai sendo adiada pelo processo especulativo; mas, como o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade só pode ser a antecipação da futura utilização real de trabalho (numa escala astronómica) – que nunca virá a acontecer -, então o embuste objectivado terá forçosamente de se desmascarar após um certo tempo de incubação. O colapso dos “emerging markets”na Ásia, na América Latina e no Leste da Europa foi só um aperitivo. Será apenas uma questão de tempo, e entrarão igualmente em colapso os mercados financeiros dos centros capitalistas nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão.
Este contexto é percebido de forma totalmente distorcida pela consciência fetichizada da sociedade do trabalho e em particular pelos tradicionais “críticos do capitalismo”, à esquerda e à direita. Fixados no fantasma do trabalho, nobilitado enquanto condição supra-histórica e positiva da existência social, confundem sistematicamente causa e efeito. O adiamento temporário da crise através da expansão expeculativa dos mercados financeiros aparece, assim, de forma invertida, como suposta causa da crise. A “maldade dos especuladores” - na expansão vulgarmente usada, mais ou menos mesclada de pânico – levá-los-ia a arruinar completamente a bela sociedade do trabalho, gastando de forma extravagante o “bom dinheiro”, que existe “de sobra”, em vez de o investirem de forma respeitável e sólida em maravilhosos “postos de trabalho” para que uma humanidade de hilotas imbecilizados pelo ídolo pudesse continuar a ter o seu “pleno emprego”.
Não entra nestas cabeças este facto simples: não foi de forma nenhuma a especulação que fez parar os investimentos reais, porque estes já tinham deixado de ser rentáveis em consequência da terceira revolução industrial. O disparo especulativo só pode ser um sintoma disso mesmo. O próprio dinheiro, que aparentemente circula em quantidades infinitas, já não é “bom”, mesmo em sentido capitalista, mas apenas simples “ar quente” com que foi sendo empolada a bolha especulativa. Qualquer tentativa de drenar um pouco esta bolha, recorrendo a projectos tributários mais ou menos imaginativos, para reconduzir novamente o capital_dinheiro às rodas alegadamente “correctas” e reais da engrenagem da sociedade do trabalho, só pode acabar por levar ao seu mais rápido rebentamento.
Ilustração de William Eild Jr.
Em vez de se compreender que todos nos tornaremos inexoravelmente não rentáveis e que, por isso, é opróprio critério da rentabilidade que é preciso atacar, como princípio obsoleto que é, e juntamente com ele, o respectivo fundamento na sociedade do trabalho..., em vez disso, demonizam-se os “especuladores”. Esta imagem barata do inimigo é cultivada em uníssono por radicais de direita e independentes de esquerda, por honestos funcionários sindicais e keynesianos nostálgicos, por teólogos sociais e apresentadores de “talk_shows”, ou seja, por todos os apóstolos do “trabalho honrado”. Poucos estão conscientes de que daí até à reactivação da loucura anti-semita vai apenas um pequeno espaço. O apelo ao capital “criativo” e de sangue nacional contra o capital_dinheiro, “judeu” internacional e “usurário”, arrisca-se a ser a última palavra da “esquerda dos postos de trabalho” intelectualmente desorientada. Que era a última palavra da “direita dos postos de trabalho”, desde sempre racista, anti-semita, anti-americana, isso já se sabia.»
Manifesto contra o Trabalho, Grupo Krisis, 1999
Desta maneira, a crise económica mundial vai sendo adiada pelo processo especulativo; mas, como o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade só pode ser a antecipação da futura utilização real de trabalho (numa escala astronómica) – que nunca virá a acontecer -, então o embuste objectivado terá forçosamente de se desmascarar após um certo tempo de incubação. O colapso dos “emerging markets”na Ásia, na América Latina e no Leste da Europa foi só um aperitivo. Será apenas uma questão de tempo, e entrarão igualmente em colapso os mercados financeiros dos centros capitalistas nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão.
Este contexto é percebido de forma totalmente distorcida pela consciência fetichizada da sociedade do trabalho e em particular pelos tradicionais “críticos do capitalismo”, à esquerda e à direita. Fixados no fantasma do trabalho, nobilitado enquanto condição supra-histórica e positiva da existência social, confundem sistematicamente causa e efeito. O adiamento temporário da crise através da expansão expeculativa dos mercados financeiros aparece, assim, de forma invertida, como suposta causa da crise. A “maldade dos especuladores” - na expansão vulgarmente usada, mais ou menos mesclada de pânico – levá-los-ia a arruinar completamente a bela sociedade do trabalho, gastando de forma extravagante o “bom dinheiro”, que existe “de sobra”, em vez de o investirem de forma respeitável e sólida em maravilhosos “postos de trabalho” para que uma humanidade de hilotas imbecilizados pelo ídolo pudesse continuar a ter o seu “pleno emprego”.
Não entra nestas cabeças este facto simples: não foi de forma nenhuma a especulação que fez parar os investimentos reais, porque estes já tinham deixado de ser rentáveis em consequência da terceira revolução industrial. O disparo especulativo só pode ser um sintoma disso mesmo. O próprio dinheiro, que aparentemente circula em quantidades infinitas, já não é “bom”, mesmo em sentido capitalista, mas apenas simples “ar quente” com que foi sendo empolada a bolha especulativa. Qualquer tentativa de drenar um pouco esta bolha, recorrendo a projectos tributários mais ou menos imaginativos, para reconduzir novamente o capital_dinheiro às rodas alegadamente “correctas” e reais da engrenagem da sociedade do trabalho, só pode acabar por levar ao seu mais rápido rebentamento.
Ilustração de William Eild Jr.
Em vez de se compreender que todos nos tornaremos inexoravelmente não rentáveis e que, por isso, é opróprio critério da rentabilidade que é preciso atacar, como princípio obsoleto que é, e juntamente com ele, o respectivo fundamento na sociedade do trabalho..., em vez disso, demonizam-se os “especuladores”. Esta imagem barata do inimigo é cultivada em uníssono por radicais de direita e independentes de esquerda, por honestos funcionários sindicais e keynesianos nostálgicos, por teólogos sociais e apresentadores de “talk_shows”, ou seja, por todos os apóstolos do “trabalho honrado”. Poucos estão conscientes de que daí até à reactivação da loucura anti-semita vai apenas um pequeno espaço. O apelo ao capital “criativo” e de sangue nacional contra o capital_dinheiro, “judeu” internacional e “usurário”, arrisca-se a ser a última palavra da “esquerda dos postos de trabalho” intelectualmente desorientada. Que era a última palavra da “direita dos postos de trabalho”, desde sempre racista, anti-semita, anti-americana, isso já se sabia.»
Manifesto contra o Trabalho, Grupo Krisis, 1999
A_Bout:
Hard_Monnie,
Litter_Race,
Polly_Tics
01 outubro 2008
Novas_Liras
A um dos mais profícuos compositores,também produtor musical, recentemente falecido. A sua vasta discografia mostra essa afinidade pelo cruzamento de culturas nas milhentas colaborações que fez, incorporando sons e técnicas modernas nas regravações de material tradicional.
A Apolo, a Nandi, às Ninfas e Apsaras
Ao santo cinema
Ao pássaro raro que todos representamos
À Música que nos preenche
A_Bout:
Hard_Monnie,
Time_Less
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