Desta maneira, a crise económica mundial vai sendo adiada pelo processo especulativo; mas, como o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade só pode ser a antecipação da futura utilização real de trabalho (numa escala astronómica) – que nunca virá a acontecer -, então o embuste objectivado terá forçosamente de se desmascarar após um certo tempo de incubação. O colapso dos “emerging markets”na Ásia, na América Latina e no Leste da Europa foi só um aperitivo. Será apenas uma questão de tempo, e entrarão igualmente em colapso os mercados financeiros dos centros capitalistas nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão.
Este contexto é percebido de forma totalmente distorcida pela consciência fetichizada da sociedade do trabalho e em particular pelos tradicionais “críticos do capitalismo”, à esquerda e à direita. Fixados no fantasma do trabalho, nobilitado enquanto condição supra-histórica e positiva da existência social, confundem sistematicamente causa e efeito. O adiamento temporário da crise através da expansão expeculativa dos mercados financeiros aparece, assim, de forma invertida, como suposta causa da crise. A “maldade dos especuladores” - na expansão vulgarmente usada, mais ou menos mesclada de pânico – levá-los-ia a arruinar completamente a bela sociedade do trabalho, gastando de forma extravagante o “bom dinheiro”, que existe “de sobra”, em vez de o investirem de forma respeitável e sólida em maravilhosos “postos de trabalho” para que uma humanidade de hilotas imbecilizados pelo ídolo pudesse continuar a ter o seu “pleno emprego”.
Não entra nestas cabeças este facto simples: não foi de forma nenhuma a especulação que fez parar os investimentos reais, porque estes já tinham deixado de ser rentáveis em consequência da terceira revolução industrial. O disparo especulativo só pode ser um sintoma disso mesmo. O próprio dinheiro, que aparentemente circula em quantidades infinitas, já não é “bom”, mesmo em sentido capitalista, mas apenas simples “ar quente” com que foi sendo empolada a bolha especulativa. Qualquer tentativa de drenar um pouco esta bolha, recorrendo a projectos tributários mais ou menos imaginativos, para reconduzir novamente o capital_dinheiro às rodas alegadamente “correctas” e reais da engrenagem da sociedade do trabalho, só pode acabar por levar ao seu mais rápido rebentamento.
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Ilustração de William Eild Jr.
Em vez de se compreender que todos nos tornaremos inexoravelmente não rentáveis e que, por isso, é opróprio critério da rentabilidade que é preciso atacar, como princípio obsoleto que é, e juntamente com ele, o respectivo fundamento na sociedade do trabalho..., em vez disso, demonizam-se os “especuladores”. Esta imagem barata do inimigo é cultivada em uníssono por radicais de direita e independentes de esquerda, por honestos funcionários sindicais e keynesianos nostálgicos, por teólogos sociais e apresentadores de “talk_shows”, ou seja, por todos os apóstolos do “trabalho honrado”. Poucos estão conscientes de que daí até à reactivação da loucura anti-semita vai apenas um pequeno espaço. O apelo ao capital “criativo” e de sangue nacional contra o capital_dinheiro, “judeu” internacional e “usurário”, arrisca-se a ser a última palavra da “esquerda dos postos de trabalho” intelectualmente desorientada. Que era a última palavra da “direita dos postos de trabalho”, desde sempre racista, anti-semita, anti-americana, isso já se sabia.»
Manifesto contra o Trabalho, Grupo Krisis, 1999
1 comentário:
Será que Marx se estará a rir, na cova????
Abraço.
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