02 outubro 2008

Hard_Works II

«O ídolo do trabalho está clinicamente morto, mas recebe respiração artificial através da expansão aparentemente autonomizada dos mercados financeiros. As empresas industriais obtém ganhos que já não resultam da produção e da venda de bens reais, que há muito se tornaram empreendimentos votados ao insucesso, mas sim da especulação em acções e divisas levadas a cabo pelos seus “habilidosos” departamentos financeiros.Os orçamentos públicos apresentam receitas que não resultam de impostos ou de empréstimos, mas da participação zelosa da administração financeira no jogo de azar dos mercados. E os orçamentos privados, que viram as recitas reais provenientes dos salários e honorários reduzir-se drasticamente, só conseguem manter um nível elevado de consumo à custa dos ganhos na bolsa. Surge assim uma nova forma de procura artificial que, por sua vez, arrasta consigo uma produção real e recitas fiscais reais “sem chão debaixo dos pés”.
Desta maneira, a crise económica mundial vai sendo adiada pelo processo especulativo; mas, como o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade só pode ser a antecipação da futura utilização real de trabalho (numa escala astronómica) – que nunca virá a acontecer -, então o embuste objectivado terá forçosamente de se desmascarar após um certo tempo de incubação. O colapso dos “emerging markets”na Ásia, na América Latina e no Leste da Europa foi só um aperitivo. Será apenas uma questão de tempo, e entrarão igualmente em colapso os mercados financeiros dos centros capitalistas nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão.

Este contexto é percebido de forma totalmente distorcida pela consciência fetichizada da sociedade do trabalho e em particular pelos tradicionais “críticos do capitalismo”, à esquerda e à direita. Fixados no fantasma do trabalho, nobilitado enquanto condição supra-histórica e positiva da existência social, confundem sistematicamente causa e efeito. O adiamento temporário da crise através da expansão expeculativa dos mercados financeiros aparece, assim, de forma invertida, como suposta causa da crise. A “maldade dos especuladores” - na expansão vulgarmente usada, mais ou menos mesclada de pânico – levá-los-ia a arruinar completamente a bela sociedade do trabalho, gastando de forma extravagante o “bom dinheiro”, que existe “de sobra”, em vez de o investirem de forma respeitável e sólida em maravilhosos “postos de trabalho” para que uma humanidade de hilotas imbecilizados pelo ídolo pudesse continuar a ter o seu “pleno emprego”.
Não entra nestas cabeças este facto simples: não foi de forma nenhuma a especulação que fez parar os investimentos reais, porque estes já tinham deixado de ser rentáveis em consequência da terceira revolução industrial. O disparo especulativo só pode ser um sintoma disso mesmo. O próprio dinheiro, que aparentemente circula em quantidades infinitas, já não é “bom”, mesmo em sentido capitalista, mas apenas simples “ar quente” com que foi sendo empolada a bolha especulativa. Qualquer tentativa de drenar um pouco esta bolha, recorrendo a projectos tributários mais ou menos imaginativos, para reconduzir novamente o capital_dinheiro às rodas alegadamente “correctas” e reais da engrenagem da sociedade do trabalho, só pode acabar por levar ao seu mais rápido rebentamento.


Ilustração de William Eild Jr.

Em vez de se compreender que todos nos tornaremos inexoravelmente não rentáveis e que, por isso, é opróprio critério da rentabilidade que é preciso atacar, como princípio obsoleto que é, e juntamente com ele, o respectivo fundamento na sociedade do trabalho..., em vez disso, demonizam-se os “especuladores”. Esta imagem barata do inimigo é cultivada em uníssono por radicais de direita e independentes de esquerda, por honestos funcionários sindicais e keynesianos nostálgicos, por teólogos sociais e apresentadores de “talk_shows”, ou seja, por todos os apóstolos do “trabalho honrado”. Poucos estão conscientes de que daí até à reactivação da loucura anti-semita vai apenas um pequeno espaço. O apelo ao capital “criativo” e de sangue nacional contra o capital_dinheiro, “judeu” internacional e “usurário”, arrisca-se a ser a última palavra da “esquerda dos postos de trabalho” intelectualmente desorientada. Que era a última palavra da “direita dos postos de trabalho”, desde sempre racista, anti-semita, anti-americana, isso já se sabia.»

Manifesto contra o Trabalho, Grupo Krisis, 1999

1 comentário:

João Roque disse...

Será que Marx se estará a rir, na cova????
Abraço.