30 abril 2011

Some(Thing)_Shape(d'Like)


 Até oito de Maio no Teatro Camões - e depois por todo o País

"Poderá andar-se metido num amor a contragosto? Claro que sim. Um amor a contragosto é um amor em relação ao qual o sujeito que o sofre sabe/palpita que está numa perspectiva catastrófica e que, em princípio, nada pode fazer para evitar a catástrofe, que esta o espera no fim de tudo e se prepara para o mastigar sem contemplações, reduzindo-o a cisco. «Reconquista-me!», diz o objecto desse amor a contragosto, entre mostrando-se e furtando-se logo de seguida. E o sofrente do amor a contragosto compraz-se (afinal com imenso gosto!) em esfalfar-se e em arruinar-se nessa descida aos inferninhos do amor infeliz.
Como se chega - e para quê - a uma situação destas? Por muitos caminhos e para muitos fins. Mas o que importa aqui dizer é que o amor a contragosto não é um amor partilhado. O sofrente nunca é igual a quem lhe inflige o sofrimento. É mais. Mais sentimento, mais tormento. «Mas que figurões!», dirão as rãs que, na circunstância, sempre se juntam para fazer coro. É que eles - o sofrente e o que faz sofrer - não sabem que estão, na sua luta (assalto e defesa), a dar-se em espectáculo aos que, de fora e ainda por cima isentos, assistem a essa terrível devoração afectiva. De um amor a contragosto dificilmente se sai. É como um vício arraigado, é como um redemoinho que puxa irresistivelmente para baixo. Talvez a única maneira, como ensinam certos nadadores experimentados em águas traiçoeiras, seja o sofrente deixar-se ir até ao fundo e aí, com um golpe rápido de braços e de pernas, sair do medonho vórtice. Então, poderá voltar à superfície, nadar para terra, sentar-se na areia e dizer: - Olha do que eu me safei! - O mundo recobrará cor e significado. Quem estiver na situação de sofrente, metido num amor a contragosto, pode treinar este processo de salvação. A Caparica não é longe."

Alexandre O'Neill 1980 (roubado descaradamente daqui)

29 abril 2011

Border_Line


Os fantoches de Kissinger/Com as minhas tamanquinhas
Entretanto a medusa mundana continua a estender os seus tentáculos, atravessando as fronteiras que julgámos eternas para nos confrontarmos na nossa alteridade em migrações de que sempre fizeram parte os exílios forçados por guerras, pestes e fomes sentidas e decididas pelos interesses individuais, fraquezas, arrogâncias e usuras dos que teimam em existir. Afinal partilhamos mais do que espaços: sou pelo partido dos animais todos, à excepção do homem cujas vidas continuam a expurgar-se repelentemente em abraços fatais.


Mulher da erva/Cantigas do maio
Já com a noite toda em vinte e três, visito os antigos templos orgíacos abaixo do ginásio no monte dos livros e zonas costeiras de permanências estivais; adormeço até à tarde da preparação molhada (com amigas que querem ganhar o jogo da rolha), em descida abrupta por caminhos enviezados na margem do vascão que atravessamos nas passadeiras, onde nos rebolamos nas águas ludras e subimos a custo íngremes passagens enquanto o céu escurece em faixas até ao solo e exala ruídos extremos.


Os eunucos/Traz outro amigo também
No regresso ribacima, nova paragem de espera por encontros fortuitos, surge o jovem banqueiro que também o fez, e assim nos desejámos e sentimos, calma e sôfregamente com intervalo para outra parelha rodada, repetimos e confidenciamos os trajectos coincidentes, aguardando contactos; antes da saída, o nómada acabado de chegar do irão confessa a sua admiração no desenvolvimento e aceitação locais, apenas limitado nessa liberdade de expressão e reunião entre géneros mas plenos de outros cruzares.


Está a acabar o prazo de denúncia do contrato deste arrendamento. E depois?

26 abril 2011

Schönen_Steine

E para relaxar das festas e celebrar a nova vida com uma gargalhada, passamos a publicidade:

Ainda a contagem da feist, uma rapsodia animal e o cocas_james murphy!


Tudo isto, graças às amigas que me trouxeram à cidade livre!

22 abril 2011

Ishtar_Soul


Programa Tesis - 1ªparte

"En par de los levantes de la Aurora"
Por amplias que sean sus alas, la luz auroral que sigue al alba es como un boquete, un lugar que tiende a absorber y ofrecer al par la inminencia de que algo inconcebible aparezca. ¿Un ser? Un animal quizás, un ser viviente, se dibuja casi, está al dibujarse. Un ser viviente de aliento y de pasión, un fuego oscuro por indiscernible que luego resulta ser simplemente blanco. Un blanco inextenso, un ser sin extensión. ¿Pensamiento? Mira tan sólo. Es una mirada, ya que la mirada de todo aquello que se manifiesta visiblemente es lo único que no tiene extensión y, aun más, la borra.
Llega la mirada anulando la distancia, quien la recibe queda traspasado, raptado o fijado; fijado, si es la mirada de la luz. Y cuando la luz nos fija es que nos mira, y, al mirarnos, ¿se sabría decir lo que sucede? Y, por no saberlo decir, se borra: no crea memoria.
Y así, de esta mirada de la luz, nace, podría nacer, ha nacido una y otra vez un pensamiento sin memoria. Un pensamiento liberado del esfuerzo de la pasión de tener que engendrar memoria y, en su virtud, liberado también de toda representación y de todo representar.

Programa Tesis 2ªparte

Delirio del incrédulo

Bajo la flor, la rama;
sobre la flor, la estrella;
bajo la estrella, el viento.
¿Y más allá?
Más allá, ¿no recuerdas? , sólo la nada.
La nada, óyelo bien, mi alma:
duérmete, aduérmete en la nada.
[Si pudiera, pero hundirme... ]
Ceniza de aquel fuego, oquedad,
agua espesa y amarga:
el llanto hecho sudor;
la sangre que, en su huida, se lleva la palabra.
Y la carga vacía de un corazón sin marcha.
¿De verdad es que no hay nada? Hay la nada.
Y que no lo recuerdes. [Era tu gloria.]
Más allá del recuerdo, en el olvido, escucha
en el soplo de tu aliento.
Mira en tu pupila misma dentro,
en ese fuego que te abrasa, luz y agua.
Mas no puedo.
Ojos y oídos son ventanas.
Perdido entre mí mismo, no puedo buscar nada;
no llego hasta la nada.
  • Descoberto a partir do blog !la polla en verso! (escrito por un periodista con total autonomía e independencia de los regímenes literarios) 
María Zambrano 1904-1991

19 abril 2011

Zauber_Berg

Era uma vez uma princesa que recebeu um palácio de presente de aniversário pela maioridade. E à terceira família, em nova fase de ascendência, reconstrói o extinto solar da quinta, fechando o jardim romântico a norte, rasgando-lhe um vinhedo em cruz para rentabilizar o interesse pelo alvarinho - abrindo a entrada a oriente com a magnanimidade devida expressa na fachada: trinta e uma janelas para a nova estrada nacional. Não casou e na terceira torre está fechada a nonagenária.
Lá dentro, a escadaria imponente coberta de mitologia em azulejos ondulantes conduz-nos ao busto que centra o jardim de inverno e começa o mito recorrente do cisne em vários elementos. Sou acompanhado pela guia que vai abrindo as portadas na sua primeira visita em exclusivo para mim: na biblioteca, a explicação do brasão e as estantes cheias de um século de jornais deteriorados, os pesados lustres já electrificados, retratos de reis e rainhas com efeitos ópticos, paredes forradas em papel imitando rendas, o mobiliário estilo império e chinês, bem como os objectos e as pratas, os tectos belamente decorados de frescos e frisos ou na imitação de madeira, o clavicítero na sala de fumo, o rico dossel do quarto real e a velha entrada convertida em sala de armas com a estátua de diana ao centro. Ajudo-a com os ferrolhos e no pátio das camélias, ladeados de ceres e flora, vai confessando os seus projectos de requalificação do espaço que ao poucos se torna público; a entrecortada alameda dos plátanos, a das tílias que atravessamos lentamente onde me indica por entre o matagal, o futuro salão de chá; ao fundo o antigo portão e as novas vinhas, enquanto descemos o talude e discutimos eno_sabores; penetramos as orlas e na ponte sobre um lago selvagem e verde, aponta-me a ilha dos amores como próximo parque de merendas, circundamo-lo e nichos para corte escondidos sucedem-se, uma azenha fictícia já semroda mas de murmúrio aquático e a surpresa no alto – o pombal que alberga o esquecido sistema hídrico abastecido pelas minas. Ainda a sala privada de baile no exterior, com recantos na sebe labiríntica, a visita às caves que na penumbra mostram os lagares graníticos, os tonéis gigantes e as modernas cubas sob as arcadas templárias, cumprimentamos o pessoal da casa nas traseiras, ainda uma linda capela macónica aberta na primeira torre, com os níveis piramidais bem distintos, altar com sant’Ana ao centro, a ensinar a virgem a ler, o patrono São Sebastião à direita, púlpito de um lado e órgão do outro; e por último o pequeno teatro para a família com os cenários imagéticos daquele lugar orfético e feérico. Despedimo-nos rápido porque os fregueses começam a chegar. Já a subir os montes para os arcos, choro pela paisagem que vou perder.

(para imagens sem palavras, percorram o site no último link de Domingo - afinal há ainda tanto para escolher)


"II nous semble qu'il est plus moral de se perdre et même de se laisser dépérir que de se conserver. Les grands moraliste n'étaient point de vertueux, mais des aventuriers dans le mal, des vicieux, des grands pècheurs Qui nous enseignet à nous incliner chrétiennement devant la misère. Tout ça doit te déplaire beaucoup, n'est-ce pas?"

Clawdia Chauchat n'A Montanha Mágica - Thomas Mann

17 abril 2011

Ivory_Tower


Este filme foi lançado em delírio há oito meses - apenas para lembrar que a vida é um Jogo!
Ver entrevistas com os "actores_irmãos" Gonzales e Tiga.  Sites oficiais do MC, DJ e Bride!
Deixo-vos ainda duas pérolas da banda sonora (naturalmente).

«He was a person without an alternative, and if any had ever been open to him, at an odd hour or two, somewhere in his inner dimness, he had long since closed the gate against it and now revolved in the hard-rimmed circle from which he had not a single issue. You couldn’t retire without something or somewhere to retire to, you must have planted a single tree at least for shade or be able to turn a key in some yielding door; but to say that her extraordinary parent was surrounded by the desert was almost to flatter the void into which he invited one to step. He conformed in short to his necessity of absolute interest – interest, that is, in his own private facts, which were facts of numerical calculation altogether: how could it not be so when he had dispossessed himself, if there had even been the slightest selection in the matter, of every faculty except the calculating? If he hadn’t thought in figures how could he possibly have thought at all – and oh the intensity with which he was thinking at that hour! It was as if she literally watched him just then and there dry up in yet another degree to everything but his genius. His genius might at the same time have gathered in to a point of about the size of the end of a pin. Such at least was the image of these things, or a part of it, determined for her under the impression of the moment.

I am Europe - Arts & Crafts

He had come over with the same promptitude every morning of the last fortnight and had stayed on nearly till luncheon, sitting about in different places as if they were equally his own, smoking, always smoking, the big portentously ‘special’ cigars that were now the worst thing for him and lost in the thoughts she had in general long since ceased to wonder about, taking them now for granted with an indifference from which the apprehension we have noted was but the briefest of lapses. He had over and above that particular matter of her passing perception, he had as they all had, goodness knew, and as she herself must have done not least, the air of waiting for something he didn’t speak of and in fact couldn’t gracefully mention; with which moreover the adopted practice, and the irrepressible need of it, that she had been having under her eye, brought out for her afresh, little as she invited or desired any renewal of their salience, the several most pointed parental signs – harmless oddities as she tried to content herself with calling them, but sharp little symbols of stubborn little facts as she would have felt them hadn’t she forbidden herself to feel.»

You can Dance - Arts & Crafts

The Ivory Tower
(1917) Henry James

Palm_Branch

Toda uma noite de hesitação e intermitência na decisão de descer até à Terra sem Sombra para ver as mãos que tocariam ali tão perto, ajudar a salvar os peixes com que cresci. Mas assim não foi, nem a ida à cidade_berço para o almejado concerto nos seus paços (acontecera no dia anterior), o que me fez encontrar a cooperativa em frente, descer o largo e percorrer as movimentadas e nocturnas muralhas até às bouças que roçam a universidade... Hoje o último passeio da bicha nesta estadia: cruzamos o rossio, as esplanadas cheias que acendem os jogos de água da avenida, as tascas escondidas e a subida pela galeria. Não me conformo e a pesquisa rápida leva-me à casa das artes para o encontro de um brilhante elenco/encenação com o encanto redescoberto nas palavras do Rei. Regresso pela cósmica colina vendo as luzes no vale sob um luar estrondoso...
Chegada ao Chipre - Otelo
Amanhã é tempo de procissões na paróquia, abertura do festival e a praia eterna. Vivam os passos em volta! Com sorte, aqui ser coroado no dia seguinte...
Água de Beber - Frank Sinatra/Tom Jobim

16 abril 2011

Record_Store

Let´s celebrate the day! And the selected ones are:
1º Devo - Freedom of Choice (1980) Whip it! (original clip Here)
When a problem comes along, 
when the cream sets out too long, 
whem something's going wrong: 
you must wipt it!
For Self_Conscience
2º Talking Heads - Little Creatures (1985) Road to Nowhere
 For Learning_Words 




3º The Flaming Lips and Stardeath and White Dwarfs with Henry Rollins and Peaches Doing  
The Dark Side of the Moon (2009) - Speak to Me/Breathe  
(Live and At HomeHere)  
I've been mad for fucking years, absolutely years, been 
Over the edge for yonks, been working me buns off for bands... 
I've always been mad, I know I've been mad, like the 
Most of us...very hard to explain why you're mad, even 
If you're not mad... 

Breathe 
Breathe in the air 
Don't be afraid to care  
Leave 
But don't leave me 
Look around, choose your own ground  
Long you live, and high you fly 
The smiles you'll give and tears you'll cry 
And all you touch and all you seeIs all your life will ever be  

Run 
Rabbit run
 Dig that hole 
Forget the sun 
And when at last the work is done 
Don't sit down, it's time to dig another one  
Long you live and high you fly 
But only if you ride the tide 
Balanced on the biggest wave 
You'll race towards an early grave... 
For Wised_Prophecy

14 abril 2011

Patre_Philia

Já faz sete anos que não comemoramos o teu aniversário. Apesar da nossa relação não ter tido esta intimidade, revejo-te no silêncio e na intensidade do afecto. E as palavras poderiam ter sido ditas...


Otets i Syn by Alexander Sokurov (2003) Official Trailer Here

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you;
If you can trust yourself when all men doubt you
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or, being lied about, don’t deal in lies,
Or, being hated, don’t give way to hating,
And yet don’t look too good, nor talk too wise;


If you can dream—and not make dreams your master;
If you can think—and not make thoughts your aim;
If you can meet with triumph and disaster
And treat those two imposters just the same;
If you can bear to hear the truth you’ve spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken
And stoop and build ’em up with worn-out tools;


If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breathe a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: “Hold on!”;


If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings—nor lose the common touch;
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds’ worth of distance run—
Yours is the Earth and everything that’s in it,
And—which is more—you’ll be a Man, my son!


Rudyard Kipling (1895)

12 abril 2011

Song_Kran



La Mer - Charles Trenet

«Remei até à lancha, amarrei de novo o bote à ponte_cais e fui finalmente dormir. Enfrentara o silêncio do Oriente. Ouvira um pouco da sua linguagem. Mas quando voltei a abrir os olhos, o silêncio era total como se nunca tivesse sido interrompido, Estava deitado numa enchente de luz e o céu pareceu-me distante como nunca antes, imensamente lá em cima. Abri os olhos e fiquei deitado sem me mexer.
E depois vi os homens do Oriente... a olharem para mim. A ponte_cais estava repleta de gente. Vi rostos morenos, bronzeados, amarelos, os olhos negros, o brilho, a cor de uma multidão oriental. E todos estes seres fitavam-nos sem um murmúrio, sem um suspiro, sem um movimento. Fitavam os botes em baixo, os homens adormecidos que durante a noite ali tinham chegado por mar. Estava tudo parado. As frondes das palmeiras mantinham-se imóveis contra o céu. Nem um ramo se agitou ao longo da borda do mar, e os telhados castanhos das casas esconsas espreitavam através da folhagem verde, através das enormes folhas que pendiam, brilhantes e imóveis, como forjadas em metal pesado. Este era o Oriente dos navegadores de outrora, tão antigo, tão misterioso, resplandescente e sombrio, vivo e inalterado, repleto de perigos e promessas. E estes eram os seus homens. Sentei-me num repente. Uma onda de movimento atravessou de um extremo ao outro a multidão, passou sobre as suas cabeças, fez oscilar os corpos como uma pequena ondulação à superfície da água, como uma leve aragem sobre um campo – depois tudo voltou a ficar imóvel. Consigo vê-los agora: o imenso contorno da baía, as areias brilhantes, o abundante verdor, infinito e variegado, o mar azul como um mar de sonho, a multidão de rostos atentos e o esplendor de cores intensas – a água reflectindo tudo isto, a curva da borda do mar, a ponte_cais, os navios exóticos de popa alta flutuando silenciosos, e os três botes com homens do Ocidente exaustos, dormindo, sem consciência da terra e das gentes e da violência da luz do sol.(...)
Desde então, pude reconhecer-lhe o encanto; vi as suas misteriosas bordas de mar, a água tranquila, as terras de gente morena onde uma Némesis furtiva aguarda, persegue e surpreende a maioria da raça conquistadora, que sente orgulho no seu bom senso, na sua sabedoria, na sua pujança. Mas para mim, o Oriente encerra-se nesta visão da minha juventude. Resume-se ao instante em que abri os meus jovens olhos. E dei com ele após uma fortuna no mar... e era jovem... e vi-o a olhar para mim. E só isto me resta dele! Um instante; um instante de pujança, de romance, de sedução... de juventude!... Um piparote de sol numa estranha borda de mar, o tempo para dele me lembrar, o tempo de um suspiro e adeus! É de noite... Adeus!...»
Bebeu.
«-Ah! Bons velhos tempos! Bons velhos tempos! Juventude e mar. Encanto e mar! O mar bom, valente, o mar salgado, amargo, capaz de nos segredar e de berrar connosco, de nos cortar a respiração.»
Tornou a beber.
«-De tudo quanto existe de maravilhoso no mundo, julgo nada se comparar ao mar, ao mar em si próprio – ou será que à juventude? Quem saberá?»

Juventude – Joseph Conrad 1898 pelas Ed. Quasi Agosto 2008
Mural assinalando as festividades do Ano Novo

11 abril 2011

As Coisas IX

Pedaços Redondos de Tempo: no terceiro ano deste milénio, depois do regresso e antes do término da relação, guardei as réplicas baratas que o irmão trouxe da sua viagem de finalistas à península do iucatão. Tirámos uma foto juntos debaixo da original no museu (ainda hoje a contagem dos dias é um mistério para chegar a Deus): auto_desfocada, queixos cortados mas a sorrir largamente em emoção desgarrada de esperança ontem o documentário passava-se aí, pelos mercados, ruas e topos de arranha_céus; ainda os canais e as pirâmides ∞ hoje busco-a e percebo que as dividimos como prevendo a perda com toda a uni_diversidade contida numa vida  contagiámo-nos numa encriptação mística que incubei todos estes anos e agora expludo.
Octávio Paz - Piedra de Sol

Há três anos cortava películas de videoclipes em frente ao oceanário quando descobri uma caixa de plástico contendo uma bobine, também laranja made in England by The Cinematography Engineering Co. Lda. - London com a edição de saída deste, composto aquando da minha concepção. Também a guardei  Aqui me_vo-la deixo:
Rolling Stones - Emotional Rescue
dois círculos, sempre juntos

10 abril 2011

Eu_Dæmonia

E há que ir... deixar o conforto do todo conhecido, bem instalado, traçar outros meridianos e querer_experimentar visões alternativas do mesmo chão. Aventurar-se pela descida depois da montaria na senhora do minho, parar no clube local para bola e fino e, em evasão, alcançar o farol de montedor até ser içado para a berma portu_ferroviária – a normalidade após mergulho rápido ou quando o frio é devolvido à noite. Então despertamos em névoa para a visita guiada ao arcaico abastecimento da salubridade, prestes a ser devorado pelo monstro hospitalar, sempre com o alarme regressivo das novas destruições: a água corre entre as pernas no canal esculpido enquanto caminhamos na obscuridade por túneis estreitos cobertos de salitre; as estórias dos eternos retornos na descrença dão toda a fé possível daquele acto; repetem-se as promessas para uma nova ascenção até à restinga pelas plataformas de fão, sob a tempestade que sopra a luz forte e nos vira para o extenso areal. De volta – os cavalos ao fundo, de frente às jazidas que nos escapam, mas não as clarinhas...
Gorillaz Official Site
Ao encontrar o primeiro livro da biblioteca universal Unibolso, presto aqui o tríptico tributo ao gosto cinematográfico que me foi construindo: as jornadas épicas e catastrofistas, o terror no limite ‘gore’ misturados com muita ciência_ficção. Começo a contar os dias para o final...

09 abril 2011

Razor's_Edge III

E este é o último post desta série que aqui marca "a linha" enquanto assisto a isto! Depois explico... (procurem no you tube)


Não há dúvida sobre o facto de os planetas do nosso sistema solar e até mesmo os que giram em torno de estrelas inconcebivelmente longínquas serem habitados. Provam-nos os nossos fantasmas, os nossos projectos e os nossos temores; são governados por hipóstases insaciáveis dos tiranos terrícolas ou por reflexos monstruosamente aumentados das burocracias sem alma que sofremos, enquanto cientistas rigorosos e precisos até ao ponto mais impiedoso – quer dizer, mais científicos ainda do que os habituais – forjam máquinas de uma irrepreensibilidade obsessiva. Neles os insectos crescem até alcançarem proporções humanas e erguem-se nas patas traseiras, como há séculos sucede nos nossos pesadelos, enquanto a linguagem é abolida em benefício de uma comunicação telepática imediata, como insensatamente tantas vezes desejámos. É o humano em toda a parte, nos próprios confins do universo: não consentimos que seja o que for escape ao nosso jogo, ao nosso olhar, às nossas manias. A lepra da vida consciente estende o seu contágio de planeta em planeta, salta de sol em sol, pelo menos ao nível do alucinatório. Ao imaginar habitantes de outros mundos, dir-se-ia que o homem se resigna modestamente a perder a sua posição central de umbigo do cosmos. Nada disso: um assomo de supremo orgulho, que certifica definitivamente a sua radical incapacidade para a medida, ei-lo que conquista mentalmente as galáxias, reparte imagens de si próprio pelas estrelas, frenético por ainda não poder ainda ir lá maculá-las em pessoa. Cada aparente retrocesso de antropocentrismo é na realidade um reforço tornado mais subtil da pretensão à dominação do cosmos, pelo menos teórica, que constitui essencialmente esse vício inextirpável. Com efeito, o sistema de Galileu é mais antropocêntrico do que o de Ptolomeu, mas menos do que o de Newton ou Einstein. A Terra é demasiado pequena para satisfazer a cósmica vaidade humana, e descentraliza a inteligência em sistemas cada vez mais sofisticados, a fim de que todo o universo gravite em torno de um pensamento que ocupa não só o centro, mas também a periferia e cada parcela do que existe, embebendo das suas leis a última partícula de poeira estelar que flutua na porção de éter mais mínima. Pouco importa a forma extravagante que se imagine para os seres de outros planetas, são monstros que pensam e isso irmana-nos a eles, porque tão-pouco é de outro modo que o homem se define. Homens-centopeia, homens com tentáculos e ventosas, homens-água, homens-chama, homens-pirâmide ou homens-cilindro, é tudo a mesma coisa: homens, todos eles, em primeira e última instância, seres que refletem, que se distanciam indefectivelmente de si próprios e do que os rodeia, que odeiam ou ambicionam, que se compadecem , que se afligem, que se organizam e se revoltam contra a organização. O cenário da comédia humana cresce, complica-se e torna-se exótico; o guarda-roupa renova-se, o atrezzo sofistica-se; o argumento continua monotonamente imutável. O homem irrigou os astros com a sua inquietação e escuta depois com terror o infinito silêncio dos espaços: os invasores que o seu susto aguarda vêm devolver-lhe a visita impertinente que a sua fantasia fez ao perturbar a perpétua irrelevância do vazio. A nova progenitura que descerá dos céus, segundo cantou Virgílio, não nos traz outra novidade que não seja uma exarcebação das nossas tendências, uma acentuação até ao ridículo ou o atroz dos nossos usos. Queremos contaminar de reflexão todo o universo, alargar a anomalia da consciência às nebulosas mais remotas, exagerar noutros planetas as complicações que sofremos neste. Queremos salvar-nos, é claro, e já só podemos correr numa direcção: uma vez conhecido o espírito, já não podemos recuar, apagar o seu rasto, procurar refúgio no mineral; é preciso fugir para diante, dotar de inteligência todas as formas e todos os mundos, para, finalmente, fazer explodir o pensamento por cima e regressar ao paraíso da harmonia através de uma intensificação da diversidade, de uma sábia enfatização do conflito... Somos os extraterrestres, desde que conseguimos olhar a partir do exterior, de longe; o monstro que urde a nossa invasão de outro mundo é a esperança dessa diferença radical que o tédio do espírito não se resigna a abandonar. Já só do espaço intergaláctico podem chegar até nós os bárbaros cujo impulso invasor cumpra os nosso anseios mais secretos. Ou, melhor ainda: só noutros planetas ainda mais decadentes e perplexos do que o nosso poderíamos exercitar-nos enquanto bárbaros e aquecer o nosso sangue entorpecido com o saque de civilizações exaustas, por comparação com as quais a nossa própria espécie aborrecida se transformaria num ideal de vitalidade.

A infância recuperada – Fernando Savater 1976 (Ed. Ambar 2006- Pag 121/2/3 Tradução Miguel Serras Pereira)

08 abril 2011

Razor's_Edge II

Por um momento, suspendemos a hipocrisia saudável que nos certifica como sensatos e empreendedores cidadãos de estados baseados no progresso da ciência e voltamos a ver-nos como realmente somos: habitantes do improvável, vizinhos do nada, protagonistas de um pesadelo de tal desolação e desamparo que o único meio de conservarmos o tino é tentarmos esquecer, na medida do possível, a nossa mísera condição. Os defuntos que tínhamos apartado radicalmente da nossa vista antes de começarem a infundir-nos pavor saem da sua tumba e mostram-nos a sua repugnante putrefacção animada, recusando-se a esse tranquilo desaparecimento que com assustada solicitude para eles decretamos; voltam “conscientes do verme que os rói”, como anunciou Blake. Perante este retrato sinistro do espectral, as mentes sãs, os fígados correctamente operacionais, a boa gente na qual a marcha do mundo se apoia, recuam em direcção ao bom senso, ansiosos de ar puro, sol e borboletas. Mas exceptuam-se certas criaturas delirantes, viciosamente atentas aos seus próprios arrepios, que depois de terem conhecido a chicotada do pavoroso já não sabem passar sem ele (...)

(...) O “mau gosto” afronta o bom: a facilidade de encobrimento dos estragos da morte que define a civilização nela baseada. O invisível reclama, declara e faz pagar a sua ocultação acentuando com um colorido berrante os seus traços mais alarmantes. A morte perde a sua distância e aparece tal como realmente é: dona e senhora , centro do mundo, negro aroma da existência toda, referência obrigatória de cada gesto, de cada olhar. Mas esse desvelamento trabalha contra ela, o aparecer sem mantos dilacera-a. Dos seus faustos e estereótipos, surge uma nova esperança de vida, um vigoroso furor que se agita e levanta o morto, extraindo outra vitalidade mais duradoura do que deveria ter sido extinção perpétua. Os cemitérios enchem-se de animação nocturna, as ruínas vêem-se de novo povoadas por habitantes desconsolados, nos bosques e nos pântanos mefíticos crescem novas espécies inimagináveis. Ainda que, finalmente, a morte consiga impor o seu equilíbrio e o pó torne ao pó, o império do mais necessário viu-se por um momento comprometido poe uma excepção intolerável: insinua-se a suspeita de que uma vontade indomável pode armadilhar a morte, procurando as suas armas no lodo da própria corrupção.
Mais ainda: a comprovação do horroroso é já subversiva no âmbito da normalidade garantida pela resignação ao deplorável, pelo menos ao nível das aparências. O próprio tom da narrativa arrepiante encerra um propósito da refutação da morte, em lugar de exprimir um comprazimento mórbido no seu triunfo, conforme por vezes crê o observador superficial. É a indiferença, por fingida que seja e disfarçada que esteja de “maturidade”, que passa a certidão de óbito, e não o clamor do medo. Habituarmo-nos a um mal é colaborarmos com ele, por muitas razões científicas que se apresentem da necessidade de acatamento.

A infância recuperada – Fernando Savater 1976 (Ed. Ambar 2006- Pag 180/85-86 Tradução Miguel Serras Pereira)

07 abril 2011

Razor's_Edge I

A viagem é sempre vista pela sabedoria épica como qualquer coisa de significativo: para o narrador, nunca se peregrina impunemente. Mas os estatutos do iniciado variam do triunfo mais irrefutável da força até ao acatamento não menos decidido da debilidade, da solidão ou do aniquilamento. A iniciação não tem lição unívoca; ao seu mais alto nível não lhe são alheias nem a sabedoria nem a ignorância. Todas essas perspectivas foram já minuciosamente recenseadas pelos críticos modernos. Eu gostaria de insistir aquinalguns aspectos da própria materialidade da viagem, numa das suas variantes possíveis: a descida.
Descer é abismarmo-nos no que nos sustenta, é desfundarmos o fundamento que nos subjaz. Perigosa missão, ou até mesmo enlouquecedora, pois tudo parece indicar que o solo nos sustenta precisamente na medida em que conserva a sua opacidade, o seu obstinado encerramento perante o nosso olhar indagador; abri-lo, de uma maneira ou de outra, é inutilizá-lo enquanto apoio: a pesquisa que o descobre aos nossos olhos, furta-o no mesmo lance aos nossos pés. Mas não só a nossa estabilidade física, também o nosso equilíbrio mental, a própria razão, podem chegar a vacilar neste empreendimento; descendo radicalmente – quer dizer, não ao descermos uma escada, que é qualquer coisa de elevado, mas ao descermos ao que realmente está por baixo – perdemos as nossas coordenadas mais estáveis e temos de inverter estranhamente os nossos pontos de referência. O que nos sustentava passa a ser o que nos cobre; o fechado rodeia-nos e dá-nos passagem, ao passo que o aberto adquire uma longínqua indeterminação opaca; os saltos aproximam-nos da pedra enquanto as quedas nos acercam do ar... A cabeça necessita de alicerces sólidos, não menos do que os pés, e este exercício de perversão geográfica pode transtorná-la. Todavia, em todos os tempos, o que está por baixo foi particularmente tentador: é aí que se encontram o reino dos mortos, mas também os tesouros; aí os segredos de todas as coisas, que nos permitirão controlá-las melhor quando voltarmos à superfície; aí o mais profundo, o mais fundo, que por intuição visual se nos afigura o mais estimável; aí jaz ainda tudo o que apodreceu, mas também o esquecido, o temido, o que deve ser escondido, quer dizer, ser enterrado; aí nos esperam as trevas mais opacas – mortos ou vivos acabaremos por a elas ir ter, descermos vivos previne-nos e prepara-nos para a descida definitiva -, tudo o que é negado à luz do dia; aí, por último, por baixo, deve estar o centro, pois naõ podemos esquecer que rastejamos sobre uma esfera – e esse centro não é tanto uma equidistância geométrica como um ponto de poder espiritual, o terrível umbigo divino, que açambarca o significado do mundo. Do inferior, do obscuro, do fechado, da terra saímos um dia; aí voltaremos uma destas noites. Desce-se para se surgir outra vez, de novo, quer dizer, para renascer; este segundo nascimento proporciona-nos forças renovadas, uma disposição vital impecável que o contacto com o inferno temperou, bem como uma familiaridade com o fundamental que faz com que o irremediável perca o seu horrível prestígio.

A infância recuperada – Fernando Savater 1976 (Ed. Ambar 2006- Pag 68-69 Tradução Miguel Serras Pereira)

06 abril 2011

Double_Helix


Esa-Pekka Salonen - Helix amanhã na gulbenkian por Joana Carneiro

In the last days of the fourth world I wished to make a map for those who would climb through the hole in the sky.
My only tools were the desires of humans as they emerged from the killing fields, from the bedrooms and the kitchens.
For the soul is a wanderer with many hands and feet.
The map must be of sand and can’t be read by ordinary light. It must carry fire to the next tribal town, for renewal of spirit.
In the legend are instructions on the language of the land, how it was we forgot to acknowledge the gift, as if we were not in it or of it.
Take note of the proliferation of supermarkets and malls, the altars of money. They best describe the detour from grace.
Keep track of the errors of our forgetfulness; the fog steals our children while we sleep.
Flowers of rage spring up in the depression. Monsters are born there of nuclear anger.
Trees of ashes wave good-bye to good-bye and the map appears to disappear.
We no longer know the names of the birds here, how to speak to them by their personal names.
Once we knew everything in this lush promise.
What I am telling you is real and is printed in a warning on the map. Our forgetfulness stalks us, walks the earth behind us, leaving a trail of paper diapers, needles, and wasted blood.
An imperfect map will have to do, little one.
The place of entry is the sea of your mother’s blood, your father’s small death as he longs to know himself in another.
There is no exit.
The map can be interpreted through the wall of the intestine—a spiral on the road of knowledge.
You will travel through the membrane of death, smell cooking from the encampment where our relatives make a feast of fresh deer meat and corn soup, in the Milky Way.
They have never left us; we abandoned them for science.
And when you take your next breath as we enter the fifth world there will be no X, no guidebook with words you can carry.
You will have to navigate by your mother’s voice, renew the song she is singing.
Fresh courage glimmers from planets.
And lights the map printed with the blood of history, a map you will have to know by your intention, by the language of suns.
When you emerge note the tracks of the monster slayers where they entered the cities of artificial light and killed what was killing us.
You will see red cliffs. They are the heart, contain the ladder.
A white deer will greet you when the last human climbs from the destruction.
Remember the hole of shame marking the act of abandoning our tribal grounds.
We were never perfect.
Yet, the journey we make together is perfect on this earth who was once a star and made the same mistakes as humans.
We might make them again, she said.
Crucial to finding the way is this: there is no beginning or end.
You must make your own map.
A Map to the Next World by Joy Harjo
Founded Here! P.S. - Tal como este foi decicado a Desiray Kierra Chee, hoje dedico-o ao João.

02 abril 2011

Sin_King

Com os fracos resultados que escorrem como fino silício pela estreita ampulheta e a partida gorada, achego-me ao centro onde a progenitora se acerca, confessa e cedo me afasta; um encontro em descida irregular pelo renovado episcopal, o café na sacristia de sempre. após troca de cidade e trópico, inicia-se a pérfida perdição pelas margens do Munda. paragem no templo afundado que o homem emergiu, um redondo de indecisão e a fila interminável que entope a via leva-me a um mergulho pantanoso em arzila; em plena planície do ega, anobra e sebal aguçam o encanto até alfarelos. vislumbro o monte maior amuralhado do outro lado que percorro até ao cimo e cincundeio, um vai e volta ondulante à ei_reira, as sete pontes de maiorca, paços abandonados e serras sobrepostas. surge a doca da figueira, já noite e uma costa vazia e fresca pela brisa morna que arrefece a bucha na praia de buarcos. Só, aqui... por pouco tempo.