27 março 2009

Educ'A(r)te_Ap(r)en'Dice IV

Libertar da sujeição o desejo de saber

A exploração violenta da natureza substituiu o desejo pela sujeição; espalhou por toda a parte a maldição do trabalho manual e intelectual e reduziu a uma actividade marginal a verdadeira riqueza do homem: a capacidade de se recriar, recriando o mundo.
Ao produzirem uma economia que os economiza, a ponto de fazer deles a sombra de si mesmos, os homens obstruíram a sua própria evolução. É por isso que a humanidade tem ainda de ser inventada.
A escola traz consigo o sinal palpável duma fractura no projecto humano. Apreeende-se nela, cada vez mais, em que condições e em que altura a criatividade da criança é destruída sob as marteladas do trabalho. A velha litania familiar que reza “Trabalha primeiro, logo te divertes” sempre exprimiu a absurdez duma sociedade que prescrevia a renúncia duma vida para melhor se consagrar a um labor que a esgotava, deixando aos prazeres apenas as cores da morte.
É necessária toda a parvoíce dos pedagogos especializados para alguém se espantar pelo facto de tantos esforços e canseiras infligidos aos alunos redundarem em tão medíocres resultados. Que esperar quando a mais íntima vontade falta, ou já nem existe?
Tendo Charles Fourier observado, durante uma insurreição, com que cuidado e ardor os amotinados arrancavam a calçada duma rua, erguendo em poucas horas uma barricada, comentava ele que teriam sido necessários três dias de trabalho a um rancho de cantoneiros às ordens dum patrão para fazer o mesmo. Os assalariados ter-se-iam limitado a dedicar ao caso o interesse da féria, sendo em contrapartida a paixão da liberdade aquilo que animava os insurrectos.
Só o prazer do indivíduo ser ele mesmo e de ser para si mesmo poderá dar ao saber esta atracção passional, que explica o esforço sem a recorrencia à sujeição.
Tornar-se uma pessoa aquilo que é exige a mais intransigente das resoluções, nisso se impondo constância e obstinação. Se não quisermos resignar-nos a consumir conhecimentos que nos hão-de reduzir ao estado miserável de consumidores, não podemos ignorar, para sair deste atoleiro em que se enterra a sociedade do passado, que temos de tomar a iniciativa dum impulso de sentido contrário. Pois quê! Então vocês estão dispostos a combater e esmagar os outros para arranjarem emprego, e hão-de hesitar em investir essa energia toda numa vida que será todo o emprego que fizerem das vossas próprias pessoas?
Não queremos ser os melhores, queremos que nos caiba o melhor da vida, segundo o princípio da inacessível perfeição que revoga a insatisfação em nome do insaciável.

Raoul Vaneigem, Aviso aos alunos do ensino básico e secundário (1995) pela Antígona

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