01 junho 2010

Child's_Trip

«- Esteve no Haiti?
- Sim.
- E que tal as árvores de lá?
- As árvores?
- Sim, as árvores de copa, como as que há nas bermas das estradas ou...
- Ah, bom – palmeiras quase só. E as montanhas estão cobertas dumas que eles chamam “flamboyants”. E árvores de seda. Já não sei se as “flamboyants” eram parecidas com as de seda ou não. Seja como for, quando estão em flor, parece fogo. E quando o céu fica negro como breu antes duma tempestade de fim de tarde, ganham umas cores fantásticas. Nunca vi árvores como aquelas em mais sítio nenhum.
Ryuji queria falar da sua misteriosa fixação em relação a um bosque de palmeiras. Mas não sabia como contar uma história destas a uma criança e, no momento em que se sentou para pensar melhor, o clarão apocalíptico do pôr-do-sol no Golfo Pérsico irrompeu na sua mente, juntamente com o vento do mar que lhe acariciava o queixo quando estava de pé junto ao turco da âncora e a descida brusca do barómetro prenunciava um ciclone que se aproximava: voltava a ser dominado pelo pavoroso poder do mar que lhe trabalhava incansavelmente os seus estados de espírito e as suas paixões.
Noboru, como se um minuto antes tivesse visto as vagas de uma tempestade, contemplava nos olhos do marinheiro um a um os fantasmas que este convocava. Envolto em visões de países distantes e no ressoar do calão náutico, estava a ser varrido até ao Golfo do México, até ao Oceano Índico, até ao Golfo Pérsico. E a viagem era possível graças a este autêntico Segundo Imediato. Aqui, finalmente, estava o médium sem o qual a sua imaginação nada podia. Quanto tempo tinha esperado!
Em êxtase, cerrava os olhos com força.»

Yukio MishimaO marinheiro que perdeu as graças do mar” 1963 pela Assírio e Alvim – Coleccção O Imaginário nº5 | Trad.: Carlos Leite | Pag. 69/70 | 3ª Ed. em Setembro de 2008 | Também feita a adaptação cinematográfica para as costas da Inglaterra com o Sir Kris Kristofferson em 1976 - Trailer e música do próprio "Seadream"

3 comentários:

João Roque disse...

Li o livro (Mishima é um "must"), mas desconhecia a existência de um filme...

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Bem , andei a dormir! Deveria ter descoberto este blogue há mais tempo! Adorei o teu espaço, está muito interessante, vejo que por aqui a música erudita, e de forma geral as artes, a poesia, a literatura (...) estão muito bem representadas. Parabéns! vou favoritar-te no meu blog ;D
Um abraço enLUArado (