03 fevereiro 2011

Snow_Child

Meados de Inverno – invencível, imaculado. O conde e a sua mulher vão a cavalo, ele numa égua cinzenta, ela numa preta, ela envolta em brilhantes peles de raposas pretas; e levava botas cintilantes, pretas, altas, com saltos escarlates e esporas. Neve fresca caía sobre neve já caída; quando parou, o mundo inteiro estava branco.
- Gostaria de ter uma menina tão branca como a neve -, diz o conde. Continuam a cavalgar. Chegam a um buraco na neve, este buraco está cheio de sangue. Ele diz:
- Gostaria de ter uma menina tão vermelha como o sangue.
Continuam a cavalgar, está um corvo pousado num ramo nu.
- Gostaria de ter uma menina tão negra como as penas do corvo.
Assim que acabou a sua descrição, ali estava ela, ao lado da estrada, pele branca, boca vermelha, cabelo negro e completamente nua; era a filha do seu desejo e a condessa odiou-a. O conde pegou nela e sentou-a à sua frente na sela, mas a condessa só pensava numa coisa: «Como é que eu me vou livrar dela?»
A condessa deixou cair a luva na neve e disse à rapariga que descesse e a procurasse; tencionava ir a galope e deixá-la ali mas o conde disse:
- Comprar-te-ei luvas novas.
Naquele momento, as peles saltaram dos ombros da condessa e enrolaram-se em volta da rapariga nua. Depois a condessa deitou o seu broche de diamantes através do gelo para um lago gelado:
- Mergulha e vai buscá-lo – disse ela; pensava que a rapariga se afogaria. Mas o conde disse:
- Ela é peixe, para nadar com um tempo tão frio?
Nessa altura as botas saltaram dos pés da condessa e enfiaram-se nas pernas da rapariga. A condessa estava agora nua que nem um osso e a rapariga cheia de peles e com botas. O conde teve pena da mulher. Chegaram a uma roseira toda em flor.
- Apanha-me uma - disse a condessa à rapariga.
- Isso eu não te posso negar – disse o conde.
E assim a rapariga apanha uma rosa, pica-se no dedo com um espinho, sangra, grita, cai.
Chorando, o conde descedo cavalo, desabotoa as calças e lança o seu membro viril dentro da rapariga morta. A condessa dominou a égua que batia com os cascos e olhou-o de perto, ele acabou em breve.
A rapariga começou então a derreter. Em breve nada mais restava dela a não ser a pena que algum pássaro possa ter deixado cair, uma mancha de sangue, qual trilho de uma raposa na neve, e a rosa que ela tinha arrancado. A condessa tinha de novo toda a sua roupa. Com a sua longa mão, acariciou as peles. O conde apanhou a rosa, fez uma vénia e entregou-a à mulher: quando ela lhe tocou, deixou-a cair.
- Ela morde! – disse.

Angela Carter The Bloody Chamber 1979 publicado na colecção ficção científica da Caminho 1991 Pag.133/4 tradução de Mª Adélia Silva Melo.

2 comentários:

João Roque disse...

Que delícia de post...
Que "malícia" de texto!

paulo disse...

muito a propósito! se bem que os sol dos últimos dias tem dado outros ares, outras temperaturas e cores aos pequenos.


abraços