08 setembro 2008

As Linhas de Oz III

Este é (talvez) o último ex_certo que aqui ponho desta “his_tórinha”, antes que me condenem a pagar direitos de autor. Ilustra credos que correm por mim, também (um mês nesta urbe verde).

Diz_Cordante (ou Papa: don’t Preach!)

“Talvez não seja justo perguntar que direito ou qualificação concretos tem um romancista ou um contador de histórias para exprimir opiniões. Haverá algo, porventura, que os romancistas, contadores de histórias e escritores conheçam melhor do que os taxistas, os programadores informáticos, ou até mesmo os políticos? Bem, a resposta mais simples seria a de que se eu sou de um país em que toda a gente discute sobre tudo; porque não poderei eu fazê-lo também? Se sou de um país em que cada taxista sabe exactamente como governar um país e o mundo; porque não poderei eu sabê-lo também? Poderia dizer-se, sem tornar isto ao pé da letra, que Israel não é nem um país nem uma nação. É uma feroz e vociferante colecção de discussões, um eterno seminário na via pública. Toda a gente discute, toda a gente sabe mais do que o seu vizinho. Existe um impulso anárquico, não só em Israel, mas julgo que também na herança cultural judaica. Por alguma razão,os judeus nunca tiveram Papa, nem poderiam ter. Se alguém – homem ou mulher – se autoproclamasse Papa dos Judeus, todos se aproximariam dele e lhe dariam uma palmadinha nas costas, dizendo: «Escuta, Papa, não me conheces, nem eu a ti. Mas o meu avô e o teu tio costumavam tratar de negócios juntos, lá em Minsk ou em Casablanca. De maneira que fica calado só durante cinco minutos e deixa-me explicar-te, de uma vez por todas, o que esse Deus pretende realmente de nós.»



Por outro lado, é algo que está muito arreigado nos genes da cultura judaica. Desde o princípio, os Judeus sempre tiveram o hábito de discordar entre si. Não é por acaso que ninguém consegue pôr dois de nós a concordar sobre algo. Para dizer a verdade, é difícil encontrar um judeu – homem ou mulher – que esteja de acordo consigo mesmo. Porque todos têm a alma e a mente dividida sobre o que quer que seja: todos são dostoievskianos e tolstoianos, ou vice-versa. Isto remonta aos dias em que os judeus ilustres costumavam desafiar o próprio Deus muito abertamente. E em certas ocasiões chegaram a demandá-Lo para que comparecesse diante do tribunal de justiça. Se nos recordarmos de Sodoma, o santo patriarca Abraão, pai dos Judeus e dos Árabes (ironias!), procura salvar a pecadora cidade da ira de Deus, que a pretende destruir. E regateia com Ele como um astuto vendedor de carros em segunda mão. Cinquenta homens justos, quarenta homens justos, trinta, vinte, talvez dez. Quando perde a discussão (e ninguém ganha discussões com Deus), volta o olhar para o alto e pronuncia a ousadíssima sentença; Hashofet kol ha’aretz lo ya’aseh mishpat? «Não faria justiça o Juiz de toda a Terra?» Isto é blasfemo, é ousado, implica dizer ao próprio Deus: pode ser que sejas o líder, mas não estás acima da lei. Pode ser que sejas o legislador, mas não estás acima da lei. Pode ser que sejas a fonte da autoridade, mas terás de te justificar diante de um tribunal supremo de justiça. A justiça está acima de ti... Uma teoria dificilmente concebível noutras religiões.”

In "How to Cure a Fanatic" Amos Oz, 2004

5 comentários:

Catatau disse...

Este Amos Oz é interessantíssimo! E lúcido. :)

Tongzhi disse...

Achei piada o "talvez"... não sei se irás resistir!
Esta "história", como tu lhe chamas, é muito interessante. Já a passei a um amigo muito querido que é Judeu!!

Manuel Braga Serrano disse...

Este Oz não lhe bastava ser um dos três romancistas mais interessantes hoje em dia, a par com Coetzee e Ondaatje, tinha também que ser um dos mais lúcidos "opinion makers" entre nós!

João disse...

Entre nOZ, descobridores, amantes e admiradores... Cuidado para não ficarem fanáticos! ;D
Abraços

João Roque disse...

Ha muito que ando para me iniciar no "mundo" fascinante de Amos Oz.
Abraço.