Não, não desapareci (de vez!), regresso a mais uma redenção convosco para, depois de espreitar as vossas "casas", saudar-vos neste final de ano, aguardando que este "ao cubo" do próximo, seja efectivamente a seguir com assiduidade.
Deixem-me apenas resumir as minhas aventuras informáticas uma vez que neste preciso momento me confronto com um sistema windows xp em brasileiro com um teclado alterado (tenho de praticar) e que me confunde e cifra os miolos. Isto há duas semanas (o pior são os acentos e sinais de pontuação; mas está a correr bem...) numa casa nova, minha, por três anos, entre o centro e o trabalho, podendo deslocar-me a pé para todo o lado, inclusive estação de "trens". Este programa trouxe a namorada do ex-companheiro da ex-casa do Brasil que me levou a um embate com a minha viatura na VCI no dia em que a fomos buscar ao aeroporto. Antes um vista que não me permitia aceder à net (só no trabalho, umas visitas à socapa) nem elaborar nada, nem nenhum outro esquema oculto.
Arion, Felizes, Pinguim, Sócrates, TongZhi, SP, Luís G., Kaos, Bears, Myxes, MBS, Catatau (outro na bruma...),Valkirio e a todos os que aqui chegam...
365 dias plenos de experiências felizes, aprendizagens conscientes, partilhas, União! Como desejava um amigo meu ontem: Muito Amor
30 dezembro 2008
22 novembro 2008
Phi_Laranja
"Tudo começou com um problema aparentemente banal: Quantos pares de coelhos podem ser gerados de um par de coelhos em um ano? O matemático italiano Leonardo Pisano (de Pisa), cujo apelido era Fibonacci, ao resolver esse problema, transcreveu o que seria uma das seqüências mais instigantes da matemática, que entrou para a história como a seqüência fibonnaci (série de números infinitos onde cada número é a soma dos dois anteriores onde os primeiros números são 0 e 1)
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, ...
Essa seqüência aparece na natureza, no comportamento da refração da luz, dos átomos, do crescimento das plantas, nas espirais das galáxias, dos marfins de elefantes, nas ondas no oceano, furacões, etc. Vejamos um exemplo: certas plantas mostram os números de Fibonacci no crescimento de seus galhos, como a Achillea ptarmica, enquanto outras regulam a posição ou número de suas folhas ou pétalas pela mesma seqüência.
A beleza desta seqüência é que seu resultado visual é pura... beleza. Dividindo dois termos consecutivos da sucessão (o número maior pelo menor) vamos obter as sucessivas aproximações de PHI (34:21 = 1,619) (89:55 = 1,618) A escola grega de Pitágoras estudou e observou muitas relações e modelos numéricos que apareciam na natureza, na beleza, na estética, na harmonia musical e outros, e entre elas uma se destacou: 1.618033988749895. Esta razão foi muito usada por Phidias (um escultor grego), e em função das primeiras letras de seu nome usamos Phi para representar o valor numérico do que conhecemos como razão dourada ou proporção Divina, pois os antigos achavam que este era um número predeterminado pelo Criador do Universo.
Se você dividir o número de fêmeas pelo número de machos de qualquer colméia do mundo, sempre vai obter PHI. A razão de cada diâmetro da espiral do Náutilo (Molusco que bombeia gás para dentro de sua concha repleta de câmaras pra poder regular a profundidade de sua flutuação) para a seguinte também é PHI.
Podemos ver PHI espalhado por todo o nosso corpo: Meçam a distância que vai do alto da cabeça até o chão, depois dividam o resultado pela distância do umbigo até o chão. O que vão encontrar? Meçam a distância de um ombro até a ponta dos dedos, depois dividam-na pela distância entre o cotovelo até a ponta dos dedos. Resultado? Ou mesmo tentem medir a distância dos quadris até o chão, e dividir pelo joelho até o chão. Verão PHI nos nós dos dedos, nos artelhos, na divisão da coluna vertebral...
Obviamente os artistas utilizaram esta propriedade para obter harmonia e beleza em suas obras, como nas pirâmides do Egito, no Paternon grego, na Quinta Sinfonia de Betethoven, etc.
A beleza desta seqüência é que seu resultado visual é pura... beleza. Dividindo dois termos consecutivos da sucessão (o número maior pelo menor) vamos obter as sucessivas aproximações de PHI (34:21 = 1,619) (89:55 = 1,618) A escola grega de Pitágoras estudou e observou muitas relações e modelos numéricos que apareciam na natureza, na beleza, na estética, na harmonia musical e outros, e entre elas uma se destacou: 1.618033988749895. Esta razão foi muito usada por Phidias (um escultor grego), e em função das primeiras letras de seu nome usamos Phi para representar o valor numérico do que conhecemos como razão dourada ou proporção Divina, pois os antigos achavam que este era um número predeterminado pelo Criador do Universo.
Se você dividir o número de fêmeas pelo número de machos de qualquer colméia do mundo, sempre vai obter PHI. A razão de cada diâmetro da espiral do Náutilo (Molusco que bombeia gás para dentro de sua concha repleta de câmaras pra poder regular a profundidade de sua flutuação) para a seguinte também é PHI.
Podemos ver PHI espalhado por todo o nosso corpo: Meçam a distância que vai do alto da cabeça até o chão, depois dividam o resultado pela distância do umbigo até o chão. O que vão encontrar? Meçam a distância de um ombro até a ponta dos dedos, depois dividam-na pela distância entre o cotovelo até a ponta dos dedos. Resultado? Ou mesmo tentem medir a distância dos quadris até o chão, e dividir pelo joelho até o chão. Verão PHI nos nós dos dedos, nos artelhos, na divisão da coluna vertebral...
Obviamente os artistas utilizaram esta propriedade para obter harmonia e beleza em suas obras, como nas pirâmides do Egito, no Paternon grego, na Quinta Sinfonia de Betethoven, etc.
O meio caminho entre o amarelo e o vermelho, o laranja é a mais angustiante das cores. Entre o ouro celeste e o vermelho ctônico, esta cor simboliza, antes de tudo, o ponto de equilíbrio entre o espírito e a libido. Agrega a luminosidade e alegria do amarelo com excitação e vibração do vermelho. Relaciona-se com o ardor e entusiasmo.
Ela é a cor das túnicas dos monges budistas e a cruz de veludo laranja dos Cavaleiros do Espírito Santo.
A energia dessa cor pode estimular o sangue e os processos circulatórios e influenciando as funções mentais e os sistemas respiratório e nervoso.
Segundo a tradição hindu, o laranja está ligado ao segundo chacra, um dos centros energéticos espalhados pelo corpo. Localizado entre o púbis e o umbigo, esse chacra, chamado sacro, rege os órgãos reprodutivos e a libido, e influencia todos os processos criativos. Em cromoterapia, técnica que usa luzes coloridas na cura, a gama dos alaranjados também é usada no tratamento de doenças do abdômen e dos órgãos reprodutores. "Ela ajuda a soltar as amarras que impedem a livre expressão da criatividade", diz o terapeuta Carlos Florêncio, de São Paulo, que sugere um exercício para estimular a capacidade criadora. "No local de trabalho, imagine-se envolto em uma luz laranja e procure se sentir estimulado por essa energia", ensina o especialista.
Na Idade Média, acreditava-se que o laranja simbolizasse crueldade, orgulho e ambição. Antes ainda, o próprio Buda cortou os cabelos e trocou as suntuosas vestimentas reais pela roupa alaranjada de mendigo. É por essa razão que os monges budistas usam até hoje túnicas laranja, simbolizando a renúncia."
Ela é a cor das túnicas dos monges budistas e a cruz de veludo laranja dos Cavaleiros do Espírito Santo.
A energia dessa cor pode estimular o sangue e os processos circulatórios e influenciando as funções mentais e os sistemas respiratório e nervoso.
Segundo a tradição hindu, o laranja está ligado ao segundo chacra, um dos centros energéticos espalhados pelo corpo. Localizado entre o púbis e o umbigo, esse chacra, chamado sacro, rege os órgãos reprodutivos e a libido, e influencia todos os processos criativos. Em cromoterapia, técnica que usa luzes coloridas na cura, a gama dos alaranjados também é usada no tratamento de doenças do abdômen e dos órgãos reprodutores. "Ela ajuda a soltar as amarras que impedem a livre expressão da criatividade", diz o terapeuta Carlos Florêncio, de São Paulo, que sugere um exercício para estimular a capacidade criadora. "No local de trabalho, imagine-se envolto em uma luz laranja e procure se sentir estimulado por essa energia", ensina o especialista.
Na Idade Média, acreditava-se que o laranja simbolizasse crueldade, orgulho e ambição. Antes ainda, o próprio Buda cortou os cabelos e trocou as suntuosas vestimentas reais pela roupa alaranjada de mendigo. É por essa razão que os monges budistas usam até hoje túnicas laranja, simbolizando a renúncia."
in: Saindo da Matrix.Com.Br
A_Bout:
Time_Less
Educ'A(r)te_Ap(r)en'Dice III
Ocu_Passion
"Em primeiro lugar, todos os interesses se desenvolvem a partir de instintos ou hábitos, os quais, por sua vez se baseiam num instinto original. Não se pode concluir que todos os instintos tenham o mesmo valor ou que não herdemos muitos instintos que necessitam mais de transformação do que de satisfação, de forma a terem alguma utilidade na vida. Mas os instintos que encontram uma saída e expressão conscientes na ocupação estão destinados a ser de um tipo particulamente fundamental e permanente. As actividades da vida estão por necessidade orientadas no sentido de colocar os materiais e forças da natureza sob o controlo dos nossos objectivos; a torná-los tributários com os fins da vida. Os homens tiveram de trabalhar para viver. No seu trabalho e através dele controlaram a natureza, protegeram e enriqueceram as condições de vida, despertaram para o sentido dos seus próprios poderes: foram levados a inventar, planear e alegrar-se perante a aquisição de competências. De uma maneira muito simples, pode dizer-se que todas as ocupações podem ser entendidas como instâncias das relações fundamentais do homem com o mundo em que vive com o objectivo de arranjar comida para manter a vida; assegurar vestuário e abrigos para se proteger e ornamentar-se e, por fim, encontrar uma casa permanente na qual todos os interesses espirituais e mais elevados se possam centralizar. É um absurdo pensar-se que interesses que possuem esta história subjacente possam ser menosprezados."
A Escola e a Sociedade – John Dewey 1900 (pela Relógio d’Água em Fevereiro de 2002)
"Em primeiro lugar, todos os interesses se desenvolvem a partir de instintos ou hábitos, os quais, por sua vez se baseiam num instinto original. Não se pode concluir que todos os instintos tenham o mesmo valor ou que não herdemos muitos instintos que necessitam mais de transformação do que de satisfação, de forma a terem alguma utilidade na vida. Mas os instintos que encontram uma saída e expressão conscientes na ocupação estão destinados a ser de um tipo particulamente fundamental e permanente. As actividades da vida estão por necessidade orientadas no sentido de colocar os materiais e forças da natureza sob o controlo dos nossos objectivos; a torná-los tributários com os fins da vida. Os homens tiveram de trabalhar para viver. No seu trabalho e através dele controlaram a natureza, protegeram e enriqueceram as condições de vida, despertaram para o sentido dos seus próprios poderes: foram levados a inventar, planear e alegrar-se perante a aquisição de competências. De uma maneira muito simples, pode dizer-se que todas as ocupações podem ser entendidas como instâncias das relações fundamentais do homem com o mundo em que vive com o objectivo de arranjar comida para manter a vida; assegurar vestuário e abrigos para se proteger e ornamentar-se e, por fim, encontrar uma casa permanente na qual todos os interesses espirituais e mais elevados se possam centralizar. É um absurdo pensar-se que interesses que possuem esta história subjacente possam ser menosprezados."
A Escola e a Sociedade – John Dewey 1900 (pela Relógio d’Água em Fevereiro de 2002)
Educ'A(r)te_Ap(r)en'Dice II
Funci_Oral
"A mudança no ensino infantil, nas sociedades mais complexas, é dupla. Antes de mais, há na cultura muito mais conhecimentos e aptidões do que qualquer pessoa tem individualmente. E assim se desenvolve cada vez mais uma técnica económica de ensinar os jovens, profundamente baseada no dizer fora do contexto e não no mostrar em contexto. Nas sociedades letradas, a prática institucionaliza-se na escola ou no professor. Ambas promovem esta forma necessariamente abstrata de ensinar os jovens. O resultado de "ensinar a cultura" pode, na pior das hipóteses, conduzir ao absurdo ritual e rotineiro que levou uma geração de críticos ao desespero. Isto porque, na escola deslocada, aquilo que se transmite tem, muitas vezes, pouco a ver com a vida tal como a vivemos na sociedade, excepto na medida em que as exigências da escola reflectem indirectamente as exigências da vida na sociedade técnica. Mas estas exigências indirectamente impostas podem ser a característica mais importante da escola deslocada. A escola é um desvio acentuado da prática indígena. Como vimos (anteriormente), tira a aprendizagem do contexto da acção imediata simplesmente ao colocá-la numa escola. Esta separação faz com que a aprendizagem se torne, em si própria, um acto, libertada dos fins imediatos da acção, preparando aquele que aprende para a cadeia de cálculo distante da repercussão necessária à formulação de ideias complexas. Ao mesmo tempo, a escola (se bem sucedida) liberta a criança da rotina das actividades quotidianas. Se a escola conseguir evitar que se estabeleça nela própria uma rotina, pode ser um dos grandes agentes da promoção da reflexão. Além disso, na escola, tem de se "acompanhar a lição", o que implica ter de se aprender a acompanhar quer a abstracção do discurso escrito - abstracto, no sentido em que está divorciado da situação concreta com que o discurso poderia estar originalmente relacionado - quer a abstracção da linguagem oral, mas afastada do contexto de uma acção em curso. Trata-se de duas utilizações profundamente abstratas da linguagem."
Para uma Teoria da Educação – Jerome Bruner 1966 (pela Relógio d’Água em Agosto de 1999)
"A mudança no ensino infantil, nas sociedades mais complexas, é dupla. Antes de mais, há na cultura muito mais conhecimentos e aptidões do que qualquer pessoa tem individualmente. E assim se desenvolve cada vez mais uma técnica económica de ensinar os jovens, profundamente baseada no dizer fora do contexto e não no mostrar em contexto. Nas sociedades letradas, a prática institucionaliza-se na escola ou no professor. Ambas promovem esta forma necessariamente abstrata de ensinar os jovens. O resultado de "ensinar a cultura" pode, na pior das hipóteses, conduzir ao absurdo ritual e rotineiro que levou uma geração de críticos ao desespero. Isto porque, na escola deslocada, aquilo que se transmite tem, muitas vezes, pouco a ver com a vida tal como a vivemos na sociedade, excepto na medida em que as exigências da escola reflectem indirectamente as exigências da vida na sociedade técnica. Mas estas exigências indirectamente impostas podem ser a característica mais importante da escola deslocada. A escola é um desvio acentuado da prática indígena. Como vimos (anteriormente), tira a aprendizagem do contexto da acção imediata simplesmente ao colocá-la numa escola. Esta separação faz com que a aprendizagem se torne, em si própria, um acto, libertada dos fins imediatos da acção, preparando aquele que aprende para a cadeia de cálculo distante da repercussão necessária à formulação de ideias complexas. Ao mesmo tempo, a escola (se bem sucedida) liberta a criança da rotina das actividades quotidianas. Se a escola conseguir evitar que se estabeleça nela própria uma rotina, pode ser um dos grandes agentes da promoção da reflexão. Além disso, na escola, tem de se "acompanhar a lição", o que implica ter de se aprender a acompanhar quer a abstracção do discurso escrito - abstracto, no sentido em que está divorciado da situação concreta com que o discurso poderia estar originalmente relacionado - quer a abstracção da linguagem oral, mas afastada do contexto de uma acção em curso. Trata-se de duas utilizações profundamente abstratas da linguagem."
Para uma Teoria da Educação – Jerome Bruner 1966 (pela Relógio d’Água em Agosto de 1999)
08 novembro 2008
90
Já faz muito tempo que aqui não venho. Desisti da forma anterior, dispo-me e renovo a pele.
Sou sempre eu. E nunca sei quem sou. Julgo-me lento, distraído, não cumprindo os papéis que assumo...presumo. E continuo na maratona de projectos e oportunidades que sempre terminam, como os dias. Parto dos supostos, suponho eu, sem os prever. E penso, ou não. Confundo-me, a mim e ao mundo, a todos e a ninguém em particular. Desabafo do abafo que esta ausência me faz sentir. Desrealizo-me a cada momento nas pequenas coisas que faço, sem o sentido que lhes dou. Não sei mesmo se me entendo.
Mudei para o quarto ao lado quando o que queria era isolar-me e satisfazer-me na minha identidade. Quem sabe se ela é, assim mesmo. Às outras, as que distingo num poder maior, que me formam e em mim se ligam, que nunca se prendam. Pois se aqui estou, ali vos deixo, com o que em vós vivi. Se vos amarro em lembranças, espero que sejam úteis para morais e metáforas alargadas, abrangentes. Saúdo-vos de saudades, cubro-vos de esperanças e o meu desejo é diluir-me em vós, num eco eterno.
Sou sempre eu. E nunca sei quem sou. Julgo-me lento, distraído, não cumprindo os papéis que assumo...presumo. E continuo na maratona de projectos e oportunidades que sempre terminam, como os dias. Parto dos supostos, suponho eu, sem os prever. E penso, ou não. Confundo-me, a mim e ao mundo, a todos e a ninguém em particular. Desabafo do abafo que esta ausência me faz sentir. Desrealizo-me a cada momento nas pequenas coisas que faço, sem o sentido que lhes dou. Não sei mesmo se me entendo.
Mudei para o quarto ao lado quando o que queria era isolar-me e satisfazer-me na minha identidade. Quem sabe se ela é, assim mesmo. Às outras, as que distingo num poder maior, que me formam e em mim se ligam, que nunca se prendam. Pois se aqui estou, ali vos deixo, com o que em vós vivi. Se vos amarro em lembranças, espero que sejam úteis para morais e metáforas alargadas, abrangentes. Saúdo-vos de saudades, cubro-vos de esperanças e o meu desejo é diluir-me em vós, num eco eterno.
19 outubro 2008
Englar_Alheimsins*
“1. Já depois de ter dado entrada no Kleppur, o hospital psiquiátrico que se ergue à beira-mar, como um enorme palácio, veio-me à memória um dia cinzento de nevoeiro em que eu, ainda criança, estava numa rua esburacada a olhar para as casas e para as poças de água.
Subitamente, vi um senhor de meia-idade sair de uma das casa e descer as escadas, molhadas da chuva. Com ele vinha o filho, um rapaz esguio, na casa dos vinte.
O filho tinha cabelo escuro e ondulado. Vestia um casaco de cabedal curto, com gola de pele, enquanto o pai usava um corta-vento claro e calças largas, limpas.
O pai agarrava o filho pelos ombros, empurrando-o para a frente com impaciência. Os punhos da sua camisa de xadrez apareciam sobre as mangas do corta-vento e os cabelos, no nevoeiro, revelavam uma estranha falta de cor.
Quando chegaram ao meio da rua, corri em direcção a eles e gritei ao pai:
- Para onde é que o vai levar?
O pai virou-se, sem largar o ombro do filho.
- Para o Kleppur – respondeu com rispidez.
Vi que a testa, húmida, brilhava. A expressão do rosto era como um ranger de dentes. Por detrás do negrume dos olhos, ardiam chamas.
E desapareceram no nevoeiro.
Foram engolidos, como nas lendas misteriosas que a minha mãe me contava ao deitar e que começavam quase todas com as palavras: «Era uma vez, há muito, muito tempo,...»
Em tais lendas, pessoas despareciam para dentro de pedras e rochas, ou perdiam-se pelos caminhos, na escuridão das florestas, enquanto as estrelas cintilavam no céu.
Cintilavam como inúmeros olhos brilhantes, lá fora, na escuridão; escuridão essa que mais tarde haveria de pairar sobre mim, sem estrelas nem luar.
Nunca mais voltei a ver o pai ou o filho, e até hoje ponho em dúvida se este incidente terá realmente ocorrido.
Se eu estava a olhar para outro mundo, era real aos meus olhos; se, porém, era a realidade, não a compreendo de forma alguma.
Talvez compreenda tão pouco a realidade como a realidade a mim. Neste aspecto, estamos quites. A realidade, no entanto, não me deve explicações, e eu cumpri com o que lhe devia.
Seria bom poder, simplesmente, responder como fez o filósofo alemão Hegel, quando alguém lhe disse que as suas teorias não estavam de acordo com a realidade: «Coitada da realidade, tenho pena dela.»
Os poetas podem escrever assim.
Os filósofos podem falar assim.
Mas nós, que estamos internados em hospitais e fechados em instituições, não temos resposta alguma quando as nossas ideias colidem com a realidade, pois, no nosso mundo, são os outros que têm razão e sabem discernir o que está certo e o que está errado.
A nuvem de medicamentos paira no ar, como se os dias estivessem parados.
- Páll!
Assusto-me ao ouvir o meu próprio nome, mas não há reacções visíveis; estão longe, muito longe, no interior da nuvem que paira no ar.
Nas profundezas dos olhos, a tranquilidade não tem fim.
Na fria bonança, a tempestade.
2. Eu era um cavalo louco aos olhos da eternidade. Mais tarde, quedava-me deitado a olhar o céu.
E o sol penetrava o meu coração.
E as chamas do encanto ardiam...”
Einar Már Gudmundsson – *Anjos do Universo 1993 (publicado pela Canguru em 2003)
Em comemoração do dia mundial da saúde mental - e por memórias ao pequeno-almoço.
Subitamente, vi um senhor de meia-idade sair de uma das casa e descer as escadas, molhadas da chuva. Com ele vinha o filho, um rapaz esguio, na casa dos vinte.
O filho tinha cabelo escuro e ondulado. Vestia um casaco de cabedal curto, com gola de pele, enquanto o pai usava um corta-vento claro e calças largas, limpas.
O pai agarrava o filho pelos ombros, empurrando-o para a frente com impaciência. Os punhos da sua camisa de xadrez apareciam sobre as mangas do corta-vento e os cabelos, no nevoeiro, revelavam uma estranha falta de cor.
Quando chegaram ao meio da rua, corri em direcção a eles e gritei ao pai:
- Para onde é que o vai levar?
O pai virou-se, sem largar o ombro do filho.
- Para o Kleppur – respondeu com rispidez.
Vi que a testa, húmida, brilhava. A expressão do rosto era como um ranger de dentes. Por detrás do negrume dos olhos, ardiam chamas.
E desapareceram no nevoeiro.
Foram engolidos, como nas lendas misteriosas que a minha mãe me contava ao deitar e que começavam quase todas com as palavras: «Era uma vez, há muito, muito tempo,...»
Em tais lendas, pessoas despareciam para dentro de pedras e rochas, ou perdiam-se pelos caminhos, na escuridão das florestas, enquanto as estrelas cintilavam no céu.
Cintilavam como inúmeros olhos brilhantes, lá fora, na escuridão; escuridão essa que mais tarde haveria de pairar sobre mim, sem estrelas nem luar.
Nunca mais voltei a ver o pai ou o filho, e até hoje ponho em dúvida se este incidente terá realmente ocorrido.
Se eu estava a olhar para outro mundo, era real aos meus olhos; se, porém, era a realidade, não a compreendo de forma alguma.
Talvez compreenda tão pouco a realidade como a realidade a mim. Neste aspecto, estamos quites. A realidade, no entanto, não me deve explicações, e eu cumpri com o que lhe devia.
Seria bom poder, simplesmente, responder como fez o filósofo alemão Hegel, quando alguém lhe disse que as suas teorias não estavam de acordo com a realidade: «Coitada da realidade, tenho pena dela.»
Os poetas podem escrever assim.
Os filósofos podem falar assim.
Mas nós, que estamos internados em hospitais e fechados em instituições, não temos resposta alguma quando as nossas ideias colidem com a realidade, pois, no nosso mundo, são os outros que têm razão e sabem discernir o que está certo e o que está errado.
A nuvem de medicamentos paira no ar, como se os dias estivessem parados.
- Páll!
Assusto-me ao ouvir o meu próprio nome, mas não há reacções visíveis; estão longe, muito longe, no interior da nuvem que paira no ar.
Nas profundezas dos olhos, a tranquilidade não tem fim.
Na fria bonança, a tempestade.
2. Eu era um cavalo louco aos olhos da eternidade. Mais tarde, quedava-me deitado a olhar o céu.
E o sol penetrava o meu coração.
E as chamas do encanto ardiam...”
Einar Már Gudmundsson – *Anjos do Universo 1993 (publicado pela Canguru em 2003)
Em comemoração do dia mundial da saúde mental - e por memórias ao pequeno-almoço.
A_Bout:
Hard_Monnie,
Litter_Race
Min(h)a_D(h)ouro
Semana d’entrevistas sucessivas, aniversários, corridas desgastantes que culmina no passeio de sábado com o co_habitante também estrangeiro, por vales e vilas verdes: paramos na ponte da barca, junto ao lima de águas calmas, poderosas e cristalinas, o forte calor outonal; subimos pelas casas de pedra abandonadas, uma capelinha aberta, o cheiro a mofo das madeiras que se abatem, os brasões suspensos no tempo dos muros, tudo reportado fotograficamente.
Cruzes de credos presentes, a reformulação do granito viário, um café na venda da esquina e nova partida nervosa – passagem pela rápida batalha de valdevez – para os esses dos declives, o serro rochoso que se insurge a toda à volta, a encosta inclinada vermelha e nua, denso coberto vegetal na descida, vinhas e milheirais a perder de vista até monção, esquecida na fortaleza da fronteira.
Chegada às fontes afundadas pela história, lanche na padaria do brasileiro (e a vida virou!), passeio pela praça da danaide Deuladeu, deslumbramento pelas raias do minho e percorrido pelas ruas estreitas da vila, de românico templo. Acompanhando a estrada no rasgo do rio, atingimos valença e atravessamo-lo para a belíssima fortaleza de tuy pela ponte fechada.
Com o agora ilegal acompanhante, entramos na catedral e somos bombardeados pelo gótico que nos obriga a olhar para o alto e o dourado de toda a talha barroca nos altares em altura. Dali para casa pela auto-estrada, jantar rápido de strogonoff fingido para inaugurar a renovada sala de espectáculos com um festival de curtas feitas pela jovem população civil, ida para a casa que acolhe a iniciativa e o júri para a proclamação da eleição, (re) encontro com colegas actual e ancestral que depois de muitos alcoóis me leva ao insólito da noite profunda.
Dormida rápida (peço a vez no banho) para correr até ao comboio que me leva à capital do norte, directo a são bento estremunhado, coberto da azulejaria ilustrativa de ilustres glórias destas terras, café para os aliados e subterrâneos do metro límpido, apertado e suave. Mais luz pela superfície, saio na casa da música para um concerto na sala Suggia explicado por rui pereira – a sinfonia nº4 de carl nielsen (o inextinguível), pelo maestro eivind jensen – a iluminada melancolia escandinava mostrando a passagem do caos à ordem. Atravesso a mouzinho de albuquerque, ressacado e feliz, ligo às amigas_casal do sul e regresso à trindade por breves momentos. Bonjardim, formosa e santa catarina para uma alternativa saudável no macdonalds (sumo, sopa, salada, mcfish, fatias de pêra e maçã). Uma nova cidade, os mesmos cheiros, as mesmas actualizações, o mesmo sol. Da batalha para baixo, pelo cimoda vila; como falta hora e meia, subo os clérigos, calcorreio os paralelos e as folhas caídas nos mártires da pátria e, em frente ao hospital, tomo café e leio um conto de sal de gorki. Acompanho o eléctrico até à estação e já dormente, vou às compras, lancho e dobro a roupa. Este foi o meu compromisso, esta é a minha celebração nestas paisagens. Começo a ser de cá.
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie
Telegraf_Ama
Mudança Casa Colega Ameaça Senhoria Ganância STOP
Raio de Sol Timor Lisboa Despedida Amigas Oriente 13 STOP
Manhã Santuários JP Atraso Crashdown Multibanco STOP
Chegada Almoinha Jantar Russo 21 STOP
Carol Conde Redondo Comeback Alfama Piteira STOP
Sto Estevão Chapitô Chá Chicha Sta Luzia STOP
Arrumar Sesimbra Almoço Livro Família Cotovia STOP
Chuva Monka Vasco da Gama Estrada Noite Braga STOP
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie
08 outubro 2008
Educ’A(r)te_Ap(r)en’Dice I
A Regra de Bruner
“Na altura do Sputnik, houve um grande exame público à adequação do nosso sistema de ensino relativamente à tarefa que se nos deparava. De facto, muitas das reformas do novo currículo tinham começado antes – motivadas por uma percepção do fosso assustador entre o conhecimento especializado da nossa tecnologia e o conhecimento público. Creio que nunca se viverá um período de tão descuidada ou ritualista disposição para com o ensino público – mas, na verdade, o ensino público como conceito operatório ainda nem tem um século de vida!
Pode bem dar-se o caso de estarmos a entrar num período de maturidade tecnológica, em que a educação exigirá uma redefinição constante, e de esse período vindouro implicar um ritmo de mudança tão rápido na tecnologia específica que as aptidões restritas se tornarão obsoletas pouco tempo depois da sua aquisição. Efectivamente, talvez uma das propriedades definidoras de uma tecnologia muito amadurecida seja a existência de uma animada probabilidade de mudança tecnológica profunda no espaço de uma única geração – tal como a nossa assistiu a várias dessas importantes mudanças.
Juntamente com uns jovens alunos com quem estive a trabalhar no Verão de 1964, num currículo de estudos sociais, entretive-me a reformular a Regra de Bruner – a relação entre as mudanças decisivas e a ordem de magnitude em anos decorridos. Utilizei-a como extensão da lei quadrática para o ângulo retiniano – o tamanho da imagem retiniana é o inverso do quadrado da distância entre o objecto e o olho. Portanto, quanto mais longínquo um período de tempo, maior a sua duração para ser apreendido! Assim:
5 x 10 9 5 000 000 000 Nascimento da Terra
5 x 10 8 500 000 000 Vertebrados
5 x 10 7 50 000 000 Mamíferos
5 x 10 6 5 000 000 Primatas
5 x 10 5 500 000 Homem Actual
5 x 10 4 50 000 Grandes Migrações Glaciais
5 x 10 3 5 000 História Documentada
5 x 10 2 500 Imprensa
5 x 10 1 50 Rádio / Ensino de Massas
5 x 10 0 5 Inteligência Artificial
O que aprendi com os meus alunos foi a conclusão de que as coisas estavam a acontecer em catadupas. A vida começou provavelmente à volta de 2,5 x 109, de modo que metade da história da Terra decorreu sem vida. Cerca de 99,999% da vida da Terra não teve a presença humana e, daí para a frente, o registo é impressionante e assustador. De facto, poderia parecer que a principal característica das ferramentas e técnicas é gerarem outras ainda mais avançadas, a uma velocidade sempre crescente. E à medida que a tecnologia assim amadurece, a educação adquire, pela sua própria natureza, um papel cada vez maior, ao fornecer as aptidões necessárias para gerir e controlar o empreendimento em expansão.
A primeira resposta dos sistemas educativos, sob uma tal aceleração, é produzir técnicos, engenheiros e cientistas de acordo com as necessidades, mas é duvidoso que essa prioridade produza o que é preciso para gerir o empreendimento. É que nenhuma ciência ou tecnologia específica fornece uma metalinguagem quanto ao que pensar acerca de uma sociedade, da sua ciência e das mudanças constantes que estas sofrem com a inovação. Poderia um engenheiro mecânico ter previsto a morte da América das pequenas cidades com o advento do automóvel? Estava tão absorvido pela tarefa de fazer automóveis cada vez melhores que nunca lhe ocorreria considerar a cidade, a vereda, o lazer ou a lealdade local. De certa forma, quando se trata de gerir a mudança, são necessárias as pessoas com a percepção da continuidade e da respectiva oportunidade. Em breve voltaremos a este assunto.”
Para uma Teoria da Educação – Jerome Bruner 1966 (pela Relógio d’Água em Agosto de 1999)
A propósito da vertigem de Maurice e dos imperadores (Pinguim & TongZhi).
“Na altura do Sputnik, houve um grande exame público à adequação do nosso sistema de ensino relativamente à tarefa que se nos deparava. De facto, muitas das reformas do novo currículo tinham começado antes – motivadas por uma percepção do fosso assustador entre o conhecimento especializado da nossa tecnologia e o conhecimento público. Creio que nunca se viverá um período de tão descuidada ou ritualista disposição para com o ensino público – mas, na verdade, o ensino público como conceito operatório ainda nem tem um século de vida!
Pode bem dar-se o caso de estarmos a entrar num período de maturidade tecnológica, em que a educação exigirá uma redefinição constante, e de esse período vindouro implicar um ritmo de mudança tão rápido na tecnologia específica que as aptidões restritas se tornarão obsoletas pouco tempo depois da sua aquisição. Efectivamente, talvez uma das propriedades definidoras de uma tecnologia muito amadurecida seja a existência de uma animada probabilidade de mudança tecnológica profunda no espaço de uma única geração – tal como a nossa assistiu a várias dessas importantes mudanças.
Juntamente com uns jovens alunos com quem estive a trabalhar no Verão de 1964, num currículo de estudos sociais, entretive-me a reformular a Regra de Bruner – a relação entre as mudanças decisivas e a ordem de magnitude em anos decorridos. Utilizei-a como extensão da lei quadrática para o ângulo retiniano – o tamanho da imagem retiniana é o inverso do quadrado da distância entre o objecto e o olho. Portanto, quanto mais longínquo um período de tempo, maior a sua duração para ser apreendido! Assim:
5 x 10 9 5 000 000 000 Nascimento da Terra
5 x 10 8 500 000 000 Vertebrados
5 x 10 7 50 000 000 Mamíferos
5 x 10 6 5 000 000 Primatas
5 x 10 5 500 000 Homem Actual
5 x 10 4 50 000 Grandes Migrações Glaciais
5 x 10 3 5 000 História Documentada
5 x 10 2 500 Imprensa
5 x 10 1 50 Rádio / Ensino de Massas
5 x 10 0 5 Inteligência Artificial
O que aprendi com os meus alunos foi a conclusão de que as coisas estavam a acontecer em catadupas. A vida começou provavelmente à volta de 2,5 x 109, de modo que metade da história da Terra decorreu sem vida. Cerca de 99,999% da vida da Terra não teve a presença humana e, daí para a frente, o registo é impressionante e assustador. De facto, poderia parecer que a principal característica das ferramentas e técnicas é gerarem outras ainda mais avançadas, a uma velocidade sempre crescente. E à medida que a tecnologia assim amadurece, a educação adquire, pela sua própria natureza, um papel cada vez maior, ao fornecer as aptidões necessárias para gerir e controlar o empreendimento em expansão.
A primeira resposta dos sistemas educativos, sob uma tal aceleração, é produzir técnicos, engenheiros e cientistas de acordo com as necessidades, mas é duvidoso que essa prioridade produza o que é preciso para gerir o empreendimento. É que nenhuma ciência ou tecnologia específica fornece uma metalinguagem quanto ao que pensar acerca de uma sociedade, da sua ciência e das mudanças constantes que estas sofrem com a inovação. Poderia um engenheiro mecânico ter previsto a morte da América das pequenas cidades com o advento do automóvel? Estava tão absorvido pela tarefa de fazer automóveis cada vez melhores que nunca lhe ocorreria considerar a cidade, a vereda, o lazer ou a lealdade local. De certa forma, quando se trata de gerir a mudança, são necessárias as pessoas com a percepção da continuidade e da respectiva oportunidade. Em breve voltaremos a este assunto.”
Para uma Teoria da Educação – Jerome Bruner 1966 (pela Relógio d’Água em Agosto de 1999)
A propósito da vertigem de Maurice e dos imperadores (Pinguim & TongZhi).
07 outubro 2008
Andeca_Witiza
(ah, se eu fosse ermita, viveria aqui...)
(estou no reggae: hoje apetecia-me uma...)
O que eu queria para/no mundo era uma boa dose de paz de espírito como conforto, que despertasse a confiança no outro para se dar, se mostrar, se abrir à realidade que o cerca, com vontade e curiosidade por descobrir as coisas bonitas (sim, esta palavra tão simples e pueril...) que estão e se criam por aí. Mas muito tem que ruir ainda...
Avançando então, recuo ao FDS (que linda sigla!) onde umas massas e saladas na praça central da cidade adversária nos fazem perder pelo vale do rio antigo (essa deusa Nabia!) e atingir o alto da colina habitada por ferragiais, celtas e romanos e esplanar ao sol das frases livres com toda essa visão ilimitada.
O que eu queria para/no mundo era uma boa dose de paz de espírito como conforto, que despertasse a confiança no outro para se dar, se mostrar, se abrir à realidade que o cerca, com vontade e curiosidade por descobrir as coisas bonitas (sim, esta palavra tão simples e pueril...) que estão e se criam por aí. Mas muito tem que ruir ainda...
Avançando então, recuo ao FDS (que linda sigla!) onde umas massas e saladas na praça central da cidade adversária nos fazem perder pelo vale do rio antigo (essa deusa Nabia!) e atingir o alto da colina habitada por ferragiais, celtas e romanos e esplanar ao sol das frases livres com toda essa visão ilimitada.
Ultrapassar a barreira geológica que isola o “penico” urbano e aí buscar aulas de ioga até à hora do cinema. O domingo de limpezas e abastecimento antecipado, uma mala em pele e ida vespertina ao expositor social barulhento e brevemente iluminado. Também brevemente visitado (pensar que os mouros até aqui chegaram para destruir e conquistar...). Na volta perdida pela praça de são paulo, descobrir mostra de licores e doces conventuais, ouvir as histórias de família dos pequenos empreendedores artesanais e ainda subir à torre de Nossa Senhora, pelas escadas e patamares da história da cidade e seus fundadores em leitura lenta e virtual. Do topo, os horizontes logínquos e fechados deste universo.
Os dias ocupados pela sobrecarga de um ímpeto precipitado, mas que esperamos finalizar na ânsia de um trabalho organizador pela experiência de situações que daí adviram; o confronto com a soberba e um novo sentimento (desta vez, alter) de injustiça em explosões emocionais, controladas pelas supremas aparições do Bem.
Foi só um desabafo. Hoje vivo aqui.
Os dias ocupados pela sobrecarga de um ímpeto precipitado, mas que esperamos finalizar na ânsia de um trabalho organizador pela experiência de situações que daí adviram; o confronto com a soberba e um novo sentimento (desta vez, alter) de injustiça em explosões emocionais, controladas pelas supremas aparições do Bem.
Foi só um desabafo. Hoje vivo aqui.
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05 outubro 2008
04 outubro 2008
The End of the End of Times I
“De facto, se o investimento historicista constituía prática adequada a uma concepção acumulativa, evolutiva e continuística do tempo, hoje a situação parece ser diferente. As mudanças sociais que ocorreram no mundo e a contestação feita tanto às filosofias da história como às suas ideias norteadoras (perfectibilidade, evolução, continuísmo, progresso, previsibilidade), instalaram um sentimento de descontinuidade, pluralidade, variação e não sentido em relação ao tempo (psicológico e histórico). E a diminuição da sua vivência como presente real (complexo e tensional) tem provocado, em simultâneo, a “morte” pretensão de se domesticar e programar o futuro, diluída na euforia do viver em tempo real. Com isso caiu-se num culto do presente, como se este fosse uma incessante eternidade, sem abertura para o passado e para o porvir, mnemotropismo que exprime a perda de referências e o decréscimo da adesão dos indivíduos a identidades holísticas externas. Atitude que parece ter como uma das suas causas o esgotamento das “filiações escatológicas”, ou melhor, das grandes memórias e narrativas organizadoras e reprodutoras do elo social (família, igreja, partido, sindicato, nação, humanidade), e conferidoras de uma direcção para a história. Daí que a ideia de futuro (como a de futuro do passado) tenha enfraquecido., como se não mais existisse qualquer distância entre o passado e o presente, ou melhor, entre o campo de experiência e o horizonte das expectativas. O que se pergunta, porém, é se uma dada situação histórica, que tende a banalizar a ideia de Novo, confundindo-a com o efémero e o vazio, pode estancar de vez, a índole desejante do modo de ser do homem, insatisfação que o incita à criação do que ainda não é. Ora, como salienta Santo Agostinho, o homem é “bestia cupidissima rerum novarum, ‘animal avidíssimo de coisas novas’, tanto no sentido do ‘mais’, como no sentido do ‘de outro modo’”.
Caminhos do Fim da História" - Fernando Catroga 2003 (com citações de Paul Ricoeur, François Hartog, Jérome Baschet e Pedro Laín Entralgo) pela Quarteto Editora
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02 outubro 2008
Acto de Contrição
Perdoem-me os Meus Outros bloguistas, acreditem que vos leio e (mas) que ando sem inspiração e cheio de vazios afectivos que me permitam responder-Vos a todos no ânimo com que vos habituei. A todos guardo aqui e a todos Vocês é este pedido. Porque para mim, todos Vocês são especiais (cada um na sua forma e gesto de palavra). Votos de um bom Outubro!
(isto passa-me - mariquices minhas!)
(isto passa-me - mariquices minhas!)
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Die_Hairy
Hard_Works II
«O ídolo do trabalho está clinicamente morto, mas recebe respiração artificial através da expansão aparentemente autonomizada dos mercados financeiros. As empresas industriais obtém ganhos que já não resultam da produção e da venda de bens reais, que há muito se tornaram empreendimentos votados ao insucesso, mas sim da especulação em acções e divisas levadas a cabo pelos seus “habilidosos” departamentos financeiros.Os orçamentos públicos apresentam receitas que não resultam de impostos ou de empréstimos, mas da participação zelosa da administração financeira no jogo de azar dos mercados. E os orçamentos privados, que viram as recitas reais provenientes dos salários e honorários reduzir-se drasticamente, só conseguem manter um nível elevado de consumo à custa dos ganhos na bolsa. Surge assim uma nova forma de procura artificial que, por sua vez, arrasta consigo uma produção real e recitas fiscais reais “sem chão debaixo dos pés”.
Desta maneira, a crise económica mundial vai sendo adiada pelo processo especulativo; mas, como o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade só pode ser a antecipação da futura utilização real de trabalho (numa escala astronómica) – que nunca virá a acontecer -, então o embuste objectivado terá forçosamente de se desmascarar após um certo tempo de incubação. O colapso dos “emerging markets”na Ásia, na América Latina e no Leste da Europa foi só um aperitivo. Será apenas uma questão de tempo, e entrarão igualmente em colapso os mercados financeiros dos centros capitalistas nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão.
Este contexto é percebido de forma totalmente distorcida pela consciência fetichizada da sociedade do trabalho e em particular pelos tradicionais “críticos do capitalismo”, à esquerda e à direita. Fixados no fantasma do trabalho, nobilitado enquanto condição supra-histórica e positiva da existência social, confundem sistematicamente causa e efeito. O adiamento temporário da crise através da expansão expeculativa dos mercados financeiros aparece, assim, de forma invertida, como suposta causa da crise. A “maldade dos especuladores” - na expansão vulgarmente usada, mais ou menos mesclada de pânico – levá-los-ia a arruinar completamente a bela sociedade do trabalho, gastando de forma extravagante o “bom dinheiro”, que existe “de sobra”, em vez de o investirem de forma respeitável e sólida em maravilhosos “postos de trabalho” para que uma humanidade de hilotas imbecilizados pelo ídolo pudesse continuar a ter o seu “pleno emprego”.
Não entra nestas cabeças este facto simples: não foi de forma nenhuma a especulação que fez parar os investimentos reais, porque estes já tinham deixado de ser rentáveis em consequência da terceira revolução industrial. O disparo especulativo só pode ser um sintoma disso mesmo. O próprio dinheiro, que aparentemente circula em quantidades infinitas, já não é “bom”, mesmo em sentido capitalista, mas apenas simples “ar quente” com que foi sendo empolada a bolha especulativa. Qualquer tentativa de drenar um pouco esta bolha, recorrendo a projectos tributários mais ou menos imaginativos, para reconduzir novamente o capital_dinheiro às rodas alegadamente “correctas” e reais da engrenagem da sociedade do trabalho, só pode acabar por levar ao seu mais rápido rebentamento.
Ilustração de William Eild Jr.
Em vez de se compreender que todos nos tornaremos inexoravelmente não rentáveis e que, por isso, é opróprio critério da rentabilidade que é preciso atacar, como princípio obsoleto que é, e juntamente com ele, o respectivo fundamento na sociedade do trabalho..., em vez disso, demonizam-se os “especuladores”. Esta imagem barata do inimigo é cultivada em uníssono por radicais de direita e independentes de esquerda, por honestos funcionários sindicais e keynesianos nostálgicos, por teólogos sociais e apresentadores de “talk_shows”, ou seja, por todos os apóstolos do “trabalho honrado”. Poucos estão conscientes de que daí até à reactivação da loucura anti-semita vai apenas um pequeno espaço. O apelo ao capital “criativo” e de sangue nacional contra o capital_dinheiro, “judeu” internacional e “usurário”, arrisca-se a ser a última palavra da “esquerda dos postos de trabalho” intelectualmente desorientada. Que era a última palavra da “direita dos postos de trabalho”, desde sempre racista, anti-semita, anti-americana, isso já se sabia.»
Manifesto contra o Trabalho, Grupo Krisis, 1999
Desta maneira, a crise económica mundial vai sendo adiada pelo processo especulativo; mas, como o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade só pode ser a antecipação da futura utilização real de trabalho (numa escala astronómica) – que nunca virá a acontecer -, então o embuste objectivado terá forçosamente de se desmascarar após um certo tempo de incubação. O colapso dos “emerging markets”na Ásia, na América Latina e no Leste da Europa foi só um aperitivo. Será apenas uma questão de tempo, e entrarão igualmente em colapso os mercados financeiros dos centros capitalistas nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão.
Este contexto é percebido de forma totalmente distorcida pela consciência fetichizada da sociedade do trabalho e em particular pelos tradicionais “críticos do capitalismo”, à esquerda e à direita. Fixados no fantasma do trabalho, nobilitado enquanto condição supra-histórica e positiva da existência social, confundem sistematicamente causa e efeito. O adiamento temporário da crise através da expansão expeculativa dos mercados financeiros aparece, assim, de forma invertida, como suposta causa da crise. A “maldade dos especuladores” - na expansão vulgarmente usada, mais ou menos mesclada de pânico – levá-los-ia a arruinar completamente a bela sociedade do trabalho, gastando de forma extravagante o “bom dinheiro”, que existe “de sobra”, em vez de o investirem de forma respeitável e sólida em maravilhosos “postos de trabalho” para que uma humanidade de hilotas imbecilizados pelo ídolo pudesse continuar a ter o seu “pleno emprego”.
Não entra nestas cabeças este facto simples: não foi de forma nenhuma a especulação que fez parar os investimentos reais, porque estes já tinham deixado de ser rentáveis em consequência da terceira revolução industrial. O disparo especulativo só pode ser um sintoma disso mesmo. O próprio dinheiro, que aparentemente circula em quantidades infinitas, já não é “bom”, mesmo em sentido capitalista, mas apenas simples “ar quente” com que foi sendo empolada a bolha especulativa. Qualquer tentativa de drenar um pouco esta bolha, recorrendo a projectos tributários mais ou menos imaginativos, para reconduzir novamente o capital_dinheiro às rodas alegadamente “correctas” e reais da engrenagem da sociedade do trabalho, só pode acabar por levar ao seu mais rápido rebentamento.
Ilustração de William Eild Jr.
Em vez de se compreender que todos nos tornaremos inexoravelmente não rentáveis e que, por isso, é opróprio critério da rentabilidade que é preciso atacar, como princípio obsoleto que é, e juntamente com ele, o respectivo fundamento na sociedade do trabalho..., em vez disso, demonizam-se os “especuladores”. Esta imagem barata do inimigo é cultivada em uníssono por radicais de direita e independentes de esquerda, por honestos funcionários sindicais e keynesianos nostálgicos, por teólogos sociais e apresentadores de “talk_shows”, ou seja, por todos os apóstolos do “trabalho honrado”. Poucos estão conscientes de que daí até à reactivação da loucura anti-semita vai apenas um pequeno espaço. O apelo ao capital “criativo” e de sangue nacional contra o capital_dinheiro, “judeu” internacional e “usurário”, arrisca-se a ser a última palavra da “esquerda dos postos de trabalho” intelectualmente desorientada. Que era a última palavra da “direita dos postos de trabalho”, desde sempre racista, anti-semita, anti-americana, isso já se sabia.»
Manifesto contra o Trabalho, Grupo Krisis, 1999
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01 outubro 2008
Novas_Liras
A um dos mais profícuos compositores,também produtor musical, recentemente falecido. A sua vasta discografia mostra essa afinidade pelo cruzamento de culturas nas milhentas colaborações que fez, incorporando sons e técnicas modernas nas regravações de material tradicional.
A Apolo, a Nandi, às Ninfas e Apsaras
Ao santo cinema
Ao pássaro raro que todos representamos
À Música que nos preenche
A_Bout:
Hard_Monnie,
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30 setembro 2008
As Coisas VI
Fotografias dos Pais a preto e branco:
A moldura da Mãe é de um plástico branco e sujo do tempo, nos arabescos que compõem o friso, traço único que forma milimétricas folhas, preenchendo o espaço entre, um ponto em relevo (sete e meio por cinco). Na foto, o corte à garçonne, rosto límpido vinte_aneiro, olhos escuros fixos, grandes, lábios carnudos entre_abertos; de perfil inclinado à direita, até ao busto, uma camisola preta.
A do Pai é menor (quatro por três), de metal, ladeado por estrelinhas cinzeladas e uma redilha, que mostra o passe_partout de cartão grosso, e o recorte da foto tipo_passe: cabelo forte, encaracolado e curto, o molde da grande orelha esquerda, a testa larga, o olhar profundo, o fato e gravata escuros sobre a camisa branca, uma máscula línha óssea esbate-se no queixo, tal como a boca e o nariz, pela mancha de ferrugem que emerge ao centro.
Desde que saí de casa sempre me acompanharam.
A moldura da Mãe é de um plástico branco e sujo do tempo, nos arabescos que compõem o friso, traço único que forma milimétricas folhas, preenchendo o espaço entre, um ponto em relevo (sete e meio por cinco). Na foto, o corte à garçonne, rosto límpido vinte_aneiro, olhos escuros fixos, grandes, lábios carnudos entre_abertos; de perfil inclinado à direita, até ao busto, uma camisola preta.
A do Pai é menor (quatro por três), de metal, ladeado por estrelinhas cinzeladas e uma redilha, que mostra o passe_partout de cartão grosso, e o recorte da foto tipo_passe: cabelo forte, encaracolado e curto, o molde da grande orelha esquerda, a testa larga, o olhar profundo, o fato e gravata escuros sobre a camisa branca, uma máscula línha óssea esbate-se no queixo, tal como a boca e o nariz, pela mancha de ferrugem que emerge ao centro.
Desde que saí de casa sempre me acompanharam.
A_Bout:
Hard_Monnie
24 setembro 2008
Through the Grape_Vine
Ontem perdidos (I love my team!!!) por Tadim,
Maravilhosa predição de um futuro enaltecedor para a escola,
Esse reconhecimento social perdido, aguardado.
Depois chegar no final do churrasco do amigo’morzinho (e no início
Dos ciúmes ingénuos), conversas sobre processos R.V.C.,
Momentos de amor imediatos na cave.
Hoje buscar mais embalagens em saco preto,
Café no balcão de espelhos do café viena (sem ver o meu reflexo),
Acolhimento do novo hóspede de minas gerais.
No rádio ao sol, ouvi o novo single desta banda,
Fica aqui esta versão profusamente ilustrada em homenagem a Marvin Gaye
E às vindimas.
Maravilhosa predição de um futuro enaltecedor para a escola,
Esse reconhecimento social perdido, aguardado.
Depois chegar no final do churrasco do amigo’morzinho (e no início
Dos ciúmes ingénuos), conversas sobre processos R.V.C.,
Momentos de amor imediatos na cave.
Hoje buscar mais embalagens em saco preto,
Café no balcão de espelhos do café viena (sem ver o meu reflexo),
Acolhimento do novo hóspede de minas gerais.
No rádio ao sol, ouvi o novo single desta banda,
Fica aqui esta versão profusamente ilustrada em homenagem a Marvin Gaye
E às vindimas.
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Die_Hairy,
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22 setembro 2008
Under_Standing
"A linguagem foi concedida ao homem para fazer dela um uso surrealista. Na medida em que lhe é indispensável fazer-se compreender, ele consegue, bem ou mal, exprimir-se e assim assegurar o desempenho de algumas funções, das mais banais. Falar, escrever uma carta não lhe oferecem nenhuma dificuldade real, desde que, fazendo-o, ele não se proponha a um objectivo acima da média, isto é, desde que se limite a entreter-se (pelo prazer de se entreter) com alguém. Ele não fica aflito com as palavras que virão, nem com a frase que virá, terminada a sua. Ele será capaz de responder à queima-roupa a uma pergunta bem simples. À falta de tiques contraídos no convívio com os outros, ele pode opinar espontaneamente sobre alguns poucos assuntos: para isso não lhe é preciso antes "contar até dez" nem ter fórmulas preparadas. Quem poderá tê-lo convencido de que esta faculdade de "falar logo à primeira" só serve para desserví-lo, quando ele se propõe estabelecer ligações mais delicadas? Ele não deve se recusar a falar ou escrever de improviso sobre nada. Ouvir-se, ler-se, não tem outro efeito senão o de suspender o oculto, o admirável auxílio. Não conto para me compreender (chega! sempre me compreenderei). Se esta ou aquela das minhas frases me traz na hora uma leve decepção, confio na frase seguinte para redimí-la, cuido para não recomeçá-la ou aperfeiçoá-la. A mínima perda de ímpeto ser-me-ia fatal. As palavras, os grupos de palavras que se sucedem exercem entre si a maior solidariedade. Não me compete favorecer estas em detrimento daquelas. Quem deve intervir é uma miraculosa compensação: e ela intervém.
Não só esta linguagem sem reservas que procuro tornar sempre válida, que me parece adaptar-se a todas as circunstâncias da vida, não só esta linguagem não me desfalca de nenhum de meus recursos, mas ainda me confere uma extraordinária lucidez precisamente no domínio onde eu menos dela esperava. Posso até afirmar que ela me instrui, e como tal já me aconteceu utilizar surrealmente palavras cujo sentido eu tinha esquecido. Pude verificar depois que o uso por mim feito correspondia exactamente à sua definição. Isto poderia fazer crer que não se "aprende", que sempre se "reaprende". Há expressões felizes com as quais me familiarizei. E não me refiro à consciência poética dos objectos que só pude adquirir pelo contacto espiritual mil vezes repetido.
É ainda ao diálogo que as formas da linguagem se adaptam melhor. Aí, dois pensamentos confrontam-se; enquanto um ser se revela, o outro ocupa-se dele, mas como? Supor que o incorpora seria admitir que, por algum tempo lhe é possível viver inteiramente deste outro pensamento, coisa muito improvável. De facto, a atenção que lhe é dada é totalmente exterior; só tem ensejo de aprovar ou de desaprovar, geralmente desaprovar, com toda a deferência de que o homem é capaz. Este modo de linguagem não permite, aliás, chegar ao fundo de qualquer assunto. A minha atenção, vítima de uma solicitação que não pode decentemente repelir, trata o pensamento alheio como inimigo; na conversação usual ela "censura-o " quase sempre pelas palavras, pelas figuras de que se serve; ela põe-me em condições de tirar partido delas, desnaturando-as. Isto é tão verdade que em certos estados mentais patológicos, onde os distúrbios sensoriais afectam toda a atenção do doente, este limita-se, pois continua a responder às perguntas, a pegar na última palavra pronunciada junto a ele, ou no último segmento de frase (surrealista) que restou no seu espírito:
Não há conversa onde não entre algum restício dessa desordem. O esforço de sociabilidade aí reinante e a nossa grande prática é que nos disfarçam esse facto, por pouco tempo. Também é a grande fraqueza do livro entrar sempre em conflito com os seus melhores leitores, quero dizer, com os mais exigentes. No pequeníssimo diálogo que acima improvisei, entre o médico e o alienado, é este, aliás, quem leva vantagem: pois as suas respostas impõem-no perante o médico examinador – e não é o mais forte? Talvez. Ele tem liberdade de não se importar com o seu nome nem com a sua idade.
O surrealismo poético, ao qual consagro este estado, dedicou-se até agora a restabelecer o diálogo na sua verdade absoluta, isentando os dois interlocutores das obrigações de cortesia. Cada um deles simplesmente prossegue no seu solilóquio, sem procurar tirar daí um prazer dialéctico particular nem se impor ao seu vizinho, de forma alguma. Os conceitos emitidos na conversa não visam, como geralmente, o desenvolvimento de uma tese, tão insignificante quanto se queira, eles são tão desafectados quanto possível. Quanto à resposta que reclamam, ela é, em princípio, totalmente indiferente ao amor-próprio de quem falou. As palavras, as imagens não se oferecem senão como trampolim ao espírito de quem escuta."
Manifesto do Surrealismo - 1924, André Breton (um pouco abrasileirado, inspirado no Kaos desta vida...)
Não só esta linguagem sem reservas que procuro tornar sempre válida, que me parece adaptar-se a todas as circunstâncias da vida, não só esta linguagem não me desfalca de nenhum de meus recursos, mas ainda me confere uma extraordinária lucidez precisamente no domínio onde eu menos dela esperava. Posso até afirmar que ela me instrui, e como tal já me aconteceu utilizar surrealmente palavras cujo sentido eu tinha esquecido. Pude verificar depois que o uso por mim feito correspondia exactamente à sua definição. Isto poderia fazer crer que não se "aprende", que sempre se "reaprende". Há expressões felizes com as quais me familiarizei. E não me refiro à consciência poética dos objectos que só pude adquirir pelo contacto espiritual mil vezes repetido.
É ainda ao diálogo que as formas da linguagem se adaptam melhor. Aí, dois pensamentos confrontam-se; enquanto um ser se revela, o outro ocupa-se dele, mas como? Supor que o incorpora seria admitir que, por algum tempo lhe é possível viver inteiramente deste outro pensamento, coisa muito improvável. De facto, a atenção que lhe é dada é totalmente exterior; só tem ensejo de aprovar ou de desaprovar, geralmente desaprovar, com toda a deferência de que o homem é capaz. Este modo de linguagem não permite, aliás, chegar ao fundo de qualquer assunto. A minha atenção, vítima de uma solicitação que não pode decentemente repelir, trata o pensamento alheio como inimigo; na conversação usual ela "censura-o " quase sempre pelas palavras, pelas figuras de que se serve; ela põe-me em condições de tirar partido delas, desnaturando-as. Isto é tão verdade que em certos estados mentais patológicos, onde os distúrbios sensoriais afectam toda a atenção do doente, este limita-se, pois continua a responder às perguntas, a pegar na última palavra pronunciada junto a ele, ou no último segmento de frase (surrealista) que restou no seu espírito:
"Que idade tens? " – Tens (Ecolalia)
"Como te chamas?" – Quarenta e cinco casas (Síndrome de Ganser, ou das respostas absurdas)
Não há conversa onde não entre algum restício dessa desordem. O esforço de sociabilidade aí reinante e a nossa grande prática é que nos disfarçam esse facto, por pouco tempo. Também é a grande fraqueza do livro entrar sempre em conflito com os seus melhores leitores, quero dizer, com os mais exigentes. No pequeníssimo diálogo que acima improvisei, entre o médico e o alienado, é este, aliás, quem leva vantagem: pois as suas respostas impõem-no perante o médico examinador – e não é o mais forte? Talvez. Ele tem liberdade de não se importar com o seu nome nem com a sua idade.
O surrealismo poético, ao qual consagro este estado, dedicou-se até agora a restabelecer o diálogo na sua verdade absoluta, isentando os dois interlocutores das obrigações de cortesia. Cada um deles simplesmente prossegue no seu solilóquio, sem procurar tirar daí um prazer dialéctico particular nem se impor ao seu vizinho, de forma alguma. Os conceitos emitidos na conversa não visam, como geralmente, o desenvolvimento de uma tese, tão insignificante quanto se queira, eles são tão desafectados quanto possível. Quanto à resposta que reclamam, ela é, em princípio, totalmente indiferente ao amor-próprio de quem falou. As palavras, as imagens não se oferecem senão como trampolim ao espírito de quem escuta."
Manifesto do Surrealismo - 1924, André Breton (um pouco abrasileirado, inspirado no Kaos desta vida...)
A_Bout:
Litter_Race,
Philo_Sophie
21 setembro 2008
(A)Round_Ranch
(em papel, à espera da pescada frita com arroz de feijão e copo de verde tinto – bota fogo 2)
Ontem foi dia santo. Tanto que me doía a cabeça. Troquei as horas de sono por filmes e medicamentos, “templates” e páginas virtuais do norte (e do sul, todas se misturam); muita música... Hamburguer ranhoso a meio da tarde, saio para cigarro, começa a chover e volto a casa para o mesmo. Além disso, insito em usar os óculos retro com uma graduação um pouco diferente da habitual. Percebo que a tânia carvalho esteve por cá nos dois dias atrás. Decidi abastecer a despensa e ver_ouvir esta cultura.
(uma revista atravessada, uma viola d’arco, equipa de fogo na tocha - isto promete; e por dois anos, então!...)
O muro circular de granito onde encosto a cabeça é iluminado por um tubo que separa a cascata verde_hera até este limite. A esplanada em meia-lua é sonorizada por lou reed; um varandim gradeado no patamar subido corta a minha visão à direita por um número de portas envidraçadas abertas onde funciona o bar interior; caixilharias e cadeiras de metal, tudo vermelho. Ao centro um tanque vazio de pedra, tal como o chão; atrás de mim uma escada sobe e à frente outra desce. O jovem actor recebe os seus poucos convidados caracterizando a sua personagem declamatória pouco interiorizada, enquanto aguardamos as dez e meia. No piso inferior, uma sala de janelas abertas para a rua, recebe as obras de vários artistas sobre o lema da pequena do lewis caroll. Quando volto ao local, depois de comprar tabaco e de pedir uma macieira ao balcão, o espaço exterior faz eco das conversas alheias: galegos e castelhanos, ou em volumoso sotaque, bracarenses acasalados (quatro pares, um deles a beijar-se demoradamente sentados no umbral do quadrado seco). Rebenta nas colunas o clocks dos coldplay na versão salsa e merengue. O mesmo_jovem actor (no final fiquei à conversa com a sua mãe) entra e sai impaciente, nervoso. Começa o acto numa pequena sala e, depois de dois minutos, ele pára porque tem de sair, porque saltou o texto, pede mil desculpas, volta, recomeça e... termina constrangido. Ofereço-me para lhe oferecer uma cerveja.
Hoje saio para divagar. Compro o público no quiosque frente ao prédio. Sigo (não, não é a porcaria do sistema informático).
As indicações divergentes levam-me a amares, ao largo renovado onde tomo a bica entre abertas, defronte à igrejinha e seus repuxos alternados, com o imponente gerês que me aguarda. Sigo pelo valdozendo até ao porto do rio caldo. Pelo caminho entrecortado na montanha, mais igrejinhas pelas curvas e velhinhas de cores garridas a vender cebolas, milhos e frutas da época. Lá oriento-me atravessando o cávado e subindo até às melhores vistas desta garganta rasgada pela natureza. Desço a vieira do minho e nova praça aberta com coreto e município e jactos de água alternados, saltitantes ou em aspersão. Observo as diferenças botânicas – carvalhos, muitos carvalhos; e umas flores rosa em haste, que irrompem no duro dos socalcos –e zoológicas – os bois e sua cornadura que se estende em picos, arvelinhas que passeiam no jardim. Jovens casais também o fazem, de bebés e cães em pulso. Almoço aqui, na esplanada. Regresso pela póvoa do lanhoso, subo ao pequeno castelo no alto granítico e a escadaria para a torre (onde não entro), noto-a repleta das formigas aladas ou agüidas (com trema para se ler o “u”), como se diz na minha terra. As famílias começam a chegar, as portas da igreja da senhora do pilar já estão abertas e entro. Paro à porta para observar à distância o tecto de pedra, a talha do altar em canário de azulejos, a venda de peças de cera ao meu lado. Apenas uma senhora sentada no silêncio.
Directo ao centro, estaciono em frente às frigideiras da sé e caminho até ao local da noite anterior onde peço um sumo de laranja fresco e subo ao terraço; descalço-me e inspiro-me no bruner e na feist até o calor atestar a atmosfera de insectos impossíveis. Quando saio, oiço o final do jardim das estátuas que estão a actuar para o comício do BE sobre a precaridade. Sento-me perto do palco e aplaudo no meio de filas de cadeiras de plástico vazias. Volto a ouvir o jorge palma, tal como de manhã na esplanada. Algumas pessoas comentam a chegada do louçã.
(volto com uma regueifa e despacho-me a pôr isto aqui porque vem aí uma boa trovoada! Uma boa semana!)
Ontem foi dia santo. Tanto que me doía a cabeça. Troquei as horas de sono por filmes e medicamentos, “templates” e páginas virtuais do norte (e do sul, todas se misturam); muita música... Hamburguer ranhoso a meio da tarde, saio para cigarro, começa a chover e volto a casa para o mesmo. Além disso, insito em usar os óculos retro com uma graduação um pouco diferente da habitual. Percebo que a tânia carvalho esteve por cá nos dois dias atrás. Decidi abastecer a despensa e ver_ouvir esta cultura.
(uma revista atravessada, uma viola d’arco, equipa de fogo na tocha - isto promete; e por dois anos, então!...)
O muro circular de granito onde encosto a cabeça é iluminado por um tubo que separa a cascata verde_hera até este limite. A esplanada em meia-lua é sonorizada por lou reed; um varandim gradeado no patamar subido corta a minha visão à direita por um número de portas envidraçadas abertas onde funciona o bar interior; caixilharias e cadeiras de metal, tudo vermelho. Ao centro um tanque vazio de pedra, tal como o chão; atrás de mim uma escada sobe e à frente outra desce. O jovem actor recebe os seus poucos convidados caracterizando a sua personagem declamatória pouco interiorizada, enquanto aguardamos as dez e meia. No piso inferior, uma sala de janelas abertas para a rua, recebe as obras de vários artistas sobre o lema da pequena do lewis caroll. Quando volto ao local, depois de comprar tabaco e de pedir uma macieira ao balcão, o espaço exterior faz eco das conversas alheias: galegos e castelhanos, ou em volumoso sotaque, bracarenses acasalados (quatro pares, um deles a beijar-se demoradamente sentados no umbral do quadrado seco). Rebenta nas colunas o clocks dos coldplay na versão salsa e merengue. O mesmo_jovem actor (no final fiquei à conversa com a sua mãe) entra e sai impaciente, nervoso. Começa o acto numa pequena sala e, depois de dois minutos, ele pára porque tem de sair, porque saltou o texto, pede mil desculpas, volta, recomeça e... termina constrangido. Ofereço-me para lhe oferecer uma cerveja.
Hoje saio para divagar. Compro o público no quiosque frente ao prédio. Sigo (não, não é a porcaria do sistema informático).
As indicações divergentes levam-me a amares, ao largo renovado onde tomo a bica entre abertas, defronte à igrejinha e seus repuxos alternados, com o imponente gerês que me aguarda. Sigo pelo valdozendo até ao porto do rio caldo. Pelo caminho entrecortado na montanha, mais igrejinhas pelas curvas e velhinhas de cores garridas a vender cebolas, milhos e frutas da época. Lá oriento-me atravessando o cávado e subindo até às melhores vistas desta garganta rasgada pela natureza. Desço a vieira do minho e nova praça aberta com coreto e município e jactos de água alternados, saltitantes ou em aspersão. Observo as diferenças botânicas – carvalhos, muitos carvalhos; e umas flores rosa em haste, que irrompem no duro dos socalcos –e zoológicas – os bois e sua cornadura que se estende em picos, arvelinhas que passeiam no jardim. Jovens casais também o fazem, de bebés e cães em pulso. Almoço aqui, na esplanada. Regresso pela póvoa do lanhoso, subo ao pequeno castelo no alto granítico e a escadaria para a torre (onde não entro), noto-a repleta das formigas aladas ou agüidas (com trema para se ler o “u”), como se diz na minha terra. As famílias começam a chegar, as portas da igreja da senhora do pilar já estão abertas e entro. Paro à porta para observar à distância o tecto de pedra, a talha do altar em canário de azulejos, a venda de peças de cera ao meu lado. Apenas uma senhora sentada no silêncio.
Directo ao centro, estaciono em frente às frigideiras da sé e caminho até ao local da noite anterior onde peço um sumo de laranja fresco e subo ao terraço; descalço-me e inspiro-me no bruner e na feist até o calor atestar a atmosfera de insectos impossíveis. Quando saio, oiço o final do jardim das estátuas que estão a actuar para o comício do BE sobre a precaridade. Sento-me perto do palco e aplaudo no meio de filas de cadeiras de plástico vazias. Volto a ouvir o jorge palma, tal como de manhã na esplanada. Algumas pessoas comentam a chegada do louçã.
(volto com uma regueifa e despacho-me a pôr isto aqui porque vem aí uma boa trovoada! Uma boa semana!)
A_Bout:
Die_Hairy
20 setembro 2008
Grand_Hotel
Adormeci depois de uma semana estouvada e ao acordar para pôr a máquina a lavar roupa, ligo o televisor que passa um documentário sobre a cidade da Beira em moçambique (autoria de Anabela de Saint-Maurice). Descrevendo os tempos áureos do convívio colonial na imensa piscina do hotel com o mesmo nome, faz a resenha histórica do nascimento da povoação sobre o areal_mangal, resume a explosão demográfica pelo mega(idílico)projecto urbanístico que a implantou como concorrente da capital ex-Lourenço Marques; inicia-se com a visita do arquitecto que o erigiu à sua actual e degradada utilização residencial, e à moderníssima estação de caminhos-de-ferro que apenas recebe um comboio diário repleto de trabalhadores; passa a história de uma actriz branca que aí se fixou com um projecto cultural (casada com o responsável pela expansão das ferrovias, que recebe o idoso senhor na bem conservada estação), o arquitecto chinês que também aí nasceu de família comerciante imigrada e que pelo país se manteve, do vice-presidente da comunidade hindu com uma pequena indústria de tecelagem em crescimento e pequenos projectos voluntários para o desenvolvimento local, e, por último, voltando aos actuais “hóspedes” do hotel, os verdadeiros(?) moçambicanos, um casal que tal como a maioria, vive do biscate e do comércio de rua, ele, um ex-combatente entre frelimo_renamo, ambos sem filhos. Nesta mistura de culturas contada pela conquista de espaços, surge uma identidade global feita de reajustes históricos. Antes e depois na programação, dose dupla de cinema português, pré e pós final de milénio, com intenções comerciais diferentes.
"As grandes descobertas surgem por equívocos."
A_Bout:
Hard_Monnie
18 setembro 2008
Cold_Shower
E assim acaba o dia que começou tão confiante (um penteado conseguido no shopping, aqui ao lado às dez da noite de ontem): ir ao crédito agrícola pagar o seguro automóvel, depois às finanças área2 desta cidade para cessar actividade, chegar cedo e atender bem dois utentes, inserir mais uma dúzia de cabreiros, tudo previsto e planeado para a tarde e noite, almoçar com a colega_amiga de fora, fixe, e o seu namorado já não basco, correr para o auditório em palestra com a A.N.Q. sobre estas belas oportunidades (mas cheias de dúvidas), ir a casa trocar ténis e comer rodela de ananás, radial rápida para a real boa nova com possíveis preenchimentos de grupos E.F.A. entre escolas, contactar todos esses restantes num aliciamento de call_center profissional, panfletos e referenciais aos molhos, lanche da equipa em reunião informal com histórias de vida incluídas, perdermo-nos pelo vale para perceber que deveríamos ser nós_eu (mea culpa) a contactar os adultos para a sesssão de todos os esclarecimentos e encaminhamentos. Casal de professores acolhedor que explica o novo sistema de horas de trabalho não-lectivas individuais ocupadas com excessivas reuniões - o que me distrai deste sentimento, por momentos até ficar xoné (uma piquena private!) e solitário na minha angústia que me leva a este post, a comer no quarto uma pequena lata de calamares com molho, bróculos frios e espargos de frasco com maionese, a ligar ao coordenador para contar o sucedido e quebrar as expectativas, e a criar umas boas tabelas semanais.
Pintura de Georgios Iakovidis - 1898
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie
Naïve
“Chamaram outro médico; este, em vez de auxiliar a natureza e de a deixar obrar por si naquela moçaem que todos os órgãos clamavam por vida, não pensou senão em fazer o contrário do que o confrade fizera. Em dois dias, a doença tornou-se mortal. O cérebro, que se julga ser a sede do entendimento, foi tão violentamente atacado como o coração, o qual é, dizem, a sede das paixões.
Que mecânica incompreensível submeteu os órgãos ao sentimento e ao pensamento? Como é que uma simples ideia dolorosa é capaz de perturbar a circulação do sangue? E como é que o sangue, por sua vez, conduz a todas estas perturbações ao entendimento humano? Que fluido desconhecido é esse, cuja existência é certa, que mais rápido, mais activo do que a luz voa em menos tempo do que um pestanejar de olhos por todos os canais da vida, produz as sensações, a memória, a tristeza ou a alegria, a razão ou a vertigem, lembra com horror o que se quer esquecer e tanto faz de um animal pensante um objecto de admiração como um motivo de piedade e de lágrimas?
[...]
Quando o momento fatal chegou, todos os presentes soltaram lágrimas e gritos. O Ingénuo perdeu os sentidos. As almas fortes quando são sensíveis têm sentimentos bem mais impetuosos do que as outras pessoas. O velho Gordon conhecia-o suficientemente para recear que, quando ele voltasse a si, atentasse contra a própria vida. Esconderam todas as armas; o desventurado mancebo apercebeu-se disso; aos seus parentes e a Gordon, sem chorar, sem gemer, sem se comover, perguntou:
- Estais certo de que possa haver na Terra alguém com direito de me impedir de acabar comigo?
Gordon teve o cuidado para não fazer estendal desses lugares-comuns tão fastidiosos com que se costuma querer demonstrar que ninguém tem o direito de usar da sua liberdade para deixar de viver quando vive horrivelmente, que ninguém deve sair da sua casa quando já não pode continuar a viver nela, que o homem está na Terra como um soldado no seu posto; como se ao ser dos seres pudesse importar que um agregado de algumas partículas de matéria esteja aqui ou ali; razões impotentes, que o desespero tenaz e reflectido se não digna ouvir e às quais Catão respondeu com uma punhalada.
O triste e terrível silêncio do Ingénuo, os seus olhos sombrios, os seus lábios trémulos, os estremecimentos do seu coração provocavam na alma de quantos o contemplavam esse misto de compaixão e de pavor que cativa todas as potências da alma, que cala todos os discursos e que se não traduz senão por palavras entrecortadas.”
O Ingénuo – Voltaire 1767 (acabadinho de ler nas edições quasi, neste verão do DN)
Que mecânica incompreensível submeteu os órgãos ao sentimento e ao pensamento? Como é que uma simples ideia dolorosa é capaz de perturbar a circulação do sangue? E como é que o sangue, por sua vez, conduz a todas estas perturbações ao entendimento humano? Que fluido desconhecido é esse, cuja existência é certa, que mais rápido, mais activo do que a luz voa em menos tempo do que um pestanejar de olhos por todos os canais da vida, produz as sensações, a memória, a tristeza ou a alegria, a razão ou a vertigem, lembra com horror o que se quer esquecer e tanto faz de um animal pensante um objecto de admiração como um motivo de piedade e de lágrimas?
[...]
Quando o momento fatal chegou, todos os presentes soltaram lágrimas e gritos. O Ingénuo perdeu os sentidos. As almas fortes quando são sensíveis têm sentimentos bem mais impetuosos do que as outras pessoas. O velho Gordon conhecia-o suficientemente para recear que, quando ele voltasse a si, atentasse contra a própria vida. Esconderam todas as armas; o desventurado mancebo apercebeu-se disso; aos seus parentes e a Gordon, sem chorar, sem gemer, sem se comover, perguntou:
- Estais certo de que possa haver na Terra alguém com direito de me impedir de acabar comigo?
Gordon teve o cuidado para não fazer estendal desses lugares-comuns tão fastidiosos com que se costuma querer demonstrar que ninguém tem o direito de usar da sua liberdade para deixar de viver quando vive horrivelmente, que ninguém deve sair da sua casa quando já não pode continuar a viver nela, que o homem está na Terra como um soldado no seu posto; como se ao ser dos seres pudesse importar que um agregado de algumas partículas de matéria esteja aqui ou ali; razões impotentes, que o desespero tenaz e reflectido se não digna ouvir e às quais Catão respondeu com uma punhalada.
O triste e terrível silêncio do Ingénuo, os seus olhos sombrios, os seus lábios trémulos, os estremecimentos do seu coração provocavam na alma de quantos o contemplavam esse misto de compaixão e de pavor que cativa todas as potências da alma, que cala todos os discursos e que se não traduz senão por palavras entrecortadas.”
O Ingénuo – Voltaire 1767 (acabadinho de ler nas edições quasi, neste verão do DN)
A_Bout:
Litter_Race,
Philo_Sophie
16 setembro 2008
(Don’t)Mind_Move
Já vão alguns dias, e vou aqui expô-los (necessito deste espaço!): da questão de criação de base de um organismo promotor de directrizes governamentais para a educação total, ao envolvimento das relações antigas no modelo de vida actual. A minerva e a démeter vieram visitar-me e insisti que se alojassem na minha torre e não numa pensão qualquer. Jantámos no mini-sport aconselhado pelo senhor silva da brasileira, tomámos o café no espaço aberto dos coimbras e chá na esplanada abaixo das ruínas (descritos anteriormente); conheceram o colega de casa que mostrou vídeos de violentos estados alcoólicos à frente do seu bar, onde também ainda estivémos. Na manhã seguinte fui comprar o pequeno-almoço e toalhas para os banhos, subimos aos santuários para fotos-postais e, encontrando os catitas como combinado, segui para o trabalho entregues a si próprios – de espanhóis a marroquinos, porque todos mouros – jantámos no património mundial iluminado para futura capital da cultura, lindíssima! Sei que subiram ao paço dos duques, corri da praça do toral para a catedral da oliveirinha, jantámos no oriente um banquete sumptuoso, umas cervejas na praça, entrada e saída do convívio, deixámos os catitas na sua pousada e voltámos às putas. Acordar para novos planos interrompidos pelo constrangimento da jovem senhoria trazer a nova inquilina para habitar o quarto que eu fiz de visitas. Mas ainda bem que toda a sessão foi presencial! Uma camisa, pull-over e peúgas na pull&bear, gilletes, espuma e soro fisiológico para os olhos secos e endócrinos de démeter. Frigideiras no cantinho e depois de mais uma tarde agitada em maximinos, a boleia directa com as amigas para a capital.
Dormir e, pela matina, preparar mala de roupa para levar e quarto para os primos que chegam para irem com mano e cunhada a casamento de colega da primária. E eu vou para o verdejante vale de galamares na viatura do libelinha: cortar por barcarena para desviar dos cortes no cacém, casacais-sintra para almoçar os bifes da terrugem, digestão pelas paisagens conserbadas (o k desce a correr uma escadaria ao lado do palácio!) e jogos de cartas pela tarde fora com as colegas da cátia, a carmo rebenta de enxaqueca, preparamos um bacalhau com espinafres musicado com o amigo’morzinho, jantar divertido até ao último comboio da linha que me leva acompanhado dos jovens suburbianos em bandos que enchem carruagem em todas as estações e apeadeiros. Subo ao salto alto para aniversário do JT, todos em ambiente feliz (ajudados pelo dealer da esquina), descemos agarrados para entrar e sair da sauna apertada do music-box e fast-food na tasca do cid.
Dormir e, pela matina, preparar mala de roupa para levar e quarto para os primos que chegam para irem com mano e cunhada a casamento de colega da primária. E eu vou para o verdejante vale de galamares na viatura do libelinha: cortar por barcarena para desviar dos cortes no cacém, casacais-sintra para almoçar os bifes da terrugem, digestão pelas paisagens conserbadas (o k desce a correr uma escadaria ao lado do palácio!) e jogos de cartas pela tarde fora com as colegas da cátia, a carmo rebenta de enxaqueca, preparamos um bacalhau com espinafres musicado com o amigo’morzinho, jantar divertido até ao último comboio da linha que me leva acompanhado dos jovens suburbianos em bandos que enchem carruagem em todas as estações e apeadeiros. Subo ao salto alto para aniversário do JT, todos em ambiente feliz (ajudados pelo dealer da esquina), descemos agarrados para entrar e sair da sauna apertada do music-box e fast-food na tasca do cid.
Amanhecer no sofá para despedir dos primos e almoçar com a loli e irmão e mãe uma bela feijoada, seguir para o miradouro do monte para café com cláudia e bisnog e a sua nova casa na vila berta, pequena e acolhedora, arrumar, planear, pensar... A vista do rio, o silêncio dos quintais, a luz rosa do reflexo solar no edredon. E temos de sair para não sermos engolidos pela complexidade do universo. Paramos em arroios para fotografar urso-peluche gigante, só, em banco de jardim, à volta do constantino para a oftalmológica enquanto aguardamos que a bissa venda na candonga um bilhete, e marcamos com a monka na sua casa – pelo caminho vemos as multidões que, em carreirinhas, se aglutinam na bela vista da madonna em concerto – assustador!!! A SC recebe-nos e congratulamo-la pela aceitação com colaboradora na science (uma semana de pausa e volta para inglaterra), a monka chega e calorosamente, deixamo-la para ir ao tão aclamado com a bissa (que não conseguiu a transacção esperada), mesmo podre dos pulmões. Regresso para arrumar e na madrugada apanhar comboios para a nova casa, de taxi, sem corte de cabelo e com alma nova.
Actualmente em formação na universidade do Minho – IEP!
Actualmente em formação na universidade do Minho – IEP!
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Die_Hairy
09 setembro 2008
Hard_Works I
«Ora, sucede que, na terceira revolução industrial – da microelectrónica -, este mecanismo de compensação por expansão soçobra. É verdade que com a microelectrónica também são embaratecidos muitos produtos e criados outros novos (sobretudo no campo dos media). Mas, pela primira vez, a inovação nos processos ultrapassa a inovação nos produtos. Pela primeira vez, há mais trabalho eliminado pela racionalização do que aquele que pode ser reabsorvido pela expansão dos mercados. No desenvolvimento lógico da racionalização, a robótica electrónica substitui a energia humana e as novas tecnologias das comunicações tornam o trabalho humano supérffluo. Desaparecem por inteiro sectores ou níveis anteriormente existentes na construção, na produção, no marketing, no armazenamento, na venda e mesmo na gestão. Pela primeira vez , o ídolo trabalho submete-se involuntariamente a um regime de racionamento duradouro. E com isso cava a sua própria sepultura.
Como a socieade democrática do trabalho constitui um sistema autotélico amadurecido, fechado sobre si mesmo, orientado para o consumo da força de trabalho, a sua estrutura não aceita a simples passagem para uma redução generalizada do tempo de trabalho. Por um lado, a racionalidade económica empresarial exige que quantidades cada vez maiores de indivíduos permaneçam duardouramente “desempregados”, e portanto, postos à margem da posssibilidade de reprodução da vida que é imanente ao sistema, mas por outro lado, o número sempre mais reduzido dos “empregados” é submetido a uma exigência de trabalho ede eficiência cada vez maior. No meio da riqueza, mesmo nos centros do capitalismo, regressam a pobreza e a fome. Há meios de produção que ficam parados, terrenos de cultivo que ficam de pousio em larga escala, como em larga escala ficam vazias as habitações e os edifícios públicos, enquanto o número dos sem_abrigo cresce imparavelmente.
O capitalismo torna-se uma instituição de minorias à escala global. No seu desespero, o ídolo trabalho, agonizante, torna-se o canibal de si próprio. Em busca de sobras de trabalho para se alimentar, o capital faz estourar as fronteiras da economia nacional e globaliza-se numa concorrência nómada, em que cada grupo procura desalojar o outro. Regiões inteiras são privadas de fluxos globais de capital e de mercadorias. Com uma onda de “fusões” e de “aquisições hostis” sem precedentes históricos, os cartéis armam-se para a última batalha da economia empresarial. Os estados e nações desorganizados implodem, e as populações, empurradas para a loucura da luta concorrencial de sobrevivência, digladiam-se na guerra étnica dos bandos.»
Como a socieade democrática do trabalho constitui um sistema autotélico amadurecido, fechado sobre si mesmo, orientado para o consumo da força de trabalho, a sua estrutura não aceita a simples passagem para uma redução generalizada do tempo de trabalho. Por um lado, a racionalidade económica empresarial exige que quantidades cada vez maiores de indivíduos permaneçam duardouramente “desempregados”, e portanto, postos à margem da posssibilidade de reprodução da vida que é imanente ao sistema, mas por outro lado, o número sempre mais reduzido dos “empregados” é submetido a uma exigência de trabalho ede eficiência cada vez maior. No meio da riqueza, mesmo nos centros do capitalismo, regressam a pobreza e a fome. Há meios de produção que ficam parados, terrenos de cultivo que ficam de pousio em larga escala, como em larga escala ficam vazias as habitações e os edifícios públicos, enquanto o número dos sem_abrigo cresce imparavelmente.
O capitalismo torna-se uma instituição de minorias à escala global. No seu desespero, o ídolo trabalho, agonizante, torna-se o canibal de si próprio. Em busca de sobras de trabalho para se alimentar, o capital faz estourar as fronteiras da economia nacional e globaliza-se numa concorrência nómada, em que cada grupo procura desalojar o outro. Regiões inteiras são privadas de fluxos globais de capital e de mercadorias. Com uma onda de “fusões” e de “aquisições hostis” sem precedentes históricos, os cartéis armam-se para a última batalha da economia empresarial. Os estados e nações desorganizados implodem, e as populações, empurradas para a loucura da luta concorrencial de sobrevivência, digladiam-se na guerra étnica dos bandos.»
Manifesto contra o Trabalho, Grupo Krisis, Junho de 1999. Também de lá:
“O 'trabalho' é, na sua essência, a actividade não-livre, in-humana, a-social, determinada pela propriedade privada e criadora dela mesmo. A superação da propriedade privada só se tornará, pois, realidade quando for concebida como superação do 'trabalho'.”
Karl Marx (a propósito do livro de Friedrich List, O Sistema Nacional da Economia Política, 1845)
A_Bout:
Litter_Race,
Polly_Tics
08 setembro 2008
As Linhas de Oz III
Este é (talvez) o último ex_certo que aqui ponho desta “his_tórinha”, antes que me condenem a pagar direitos de autor. Ilustra credos que correm por mim, também (um mês nesta urbe verde).
Diz_Cordante (ou Papa: don’t Preach!)
“Talvez não seja justo perguntar que direito ou qualificação concretos tem um romancista ou um contador de histórias para exprimir opiniões. Haverá algo, porventura, que os romancistas, contadores de histórias e escritores conheçam melhor do que os taxistas, os programadores informáticos, ou até mesmo os políticos? Bem, a resposta mais simples seria a de que se eu sou de um país em que toda a gente discute sobre tudo; porque não poderei eu fazê-lo também? Se sou de um país em que cada taxista sabe exactamente como governar um país e o mundo; porque não poderei eu sabê-lo também? Poderia dizer-se, sem tornar isto ao pé da letra, que Israel não é nem um país nem uma nação. É uma feroz e vociferante colecção de discussões, um eterno seminário na via pública. Toda a gente discute, toda a gente sabe mais do que o seu vizinho. Existe um impulso anárquico, não só em Israel, mas julgo que também na herança cultural judaica. Por alguma razão,os judeus nunca tiveram Papa, nem poderiam ter. Se alguém – homem ou mulher – se autoproclamasse Papa dos Judeus, todos se aproximariam dele e lhe dariam uma palmadinha nas costas, dizendo: «Escuta, Papa, não me conheces, nem eu a ti. Mas o meu avô e o teu tio costumavam tratar de negócios juntos, lá em Minsk ou em Casablanca. De maneira que fica calado só durante cinco minutos e deixa-me explicar-te, de uma vez por todas, o que esse Deus pretende realmente de nós.»
Por outro lado, é algo que está muito arreigado nos genes da cultura judaica. Desde o princípio, os Judeus sempre tiveram o hábito de discordar entre si. Não é por acaso que ninguém consegue pôr dois de nós a concordar sobre algo. Para dizer a verdade, é difícil encontrar um judeu – homem ou mulher – que esteja de acordo consigo mesmo. Porque todos têm a alma e a mente dividida sobre o que quer que seja: todos são dostoievskianos e tolstoianos, ou vice-versa. Isto remonta aos dias em que os judeus ilustres costumavam desafiar o próprio Deus muito abertamente. E em certas ocasiões chegaram a demandá-Lo para que comparecesse diante do tribunal de justiça. Se nos recordarmos de Sodoma, o santo patriarca Abraão, pai dos Judeus e dos Árabes (ironias!), procura salvar a pecadora cidade da ira de Deus, que a pretende destruir. E regateia com Ele como um astuto vendedor de carros em segunda mão. Cinquenta homens justos, quarenta homens justos, trinta, vinte, talvez dez. Quando perde a discussão (e ninguém ganha discussões com Deus), volta o olhar para o alto e pronuncia a ousadíssima sentença; Hashofet kol ha’aretz lo ya’aseh mishpat? «Não faria justiça o Juiz de toda a Terra?» Isto é blasfemo, é ousado, implica dizer ao próprio Deus: pode ser que sejas o líder, mas não estás acima da lei. Pode ser que sejas o legislador, mas não estás acima da lei. Pode ser que sejas a fonte da autoridade, mas terás de te justificar diante de um tribunal supremo de justiça. A justiça está acima de ti... Uma teoria dificilmente concebível noutras religiões.”
In "How to Cure a Fanatic" Amos Oz, 2004
Diz_Cordante (ou Papa: don’t Preach!)
“Talvez não seja justo perguntar que direito ou qualificação concretos tem um romancista ou um contador de histórias para exprimir opiniões. Haverá algo, porventura, que os romancistas, contadores de histórias e escritores conheçam melhor do que os taxistas, os programadores informáticos, ou até mesmo os políticos? Bem, a resposta mais simples seria a de que se eu sou de um país em que toda a gente discute sobre tudo; porque não poderei eu fazê-lo também? Se sou de um país em que cada taxista sabe exactamente como governar um país e o mundo; porque não poderei eu sabê-lo também? Poderia dizer-se, sem tornar isto ao pé da letra, que Israel não é nem um país nem uma nação. É uma feroz e vociferante colecção de discussões, um eterno seminário na via pública. Toda a gente discute, toda a gente sabe mais do que o seu vizinho. Existe um impulso anárquico, não só em Israel, mas julgo que também na herança cultural judaica. Por alguma razão,os judeus nunca tiveram Papa, nem poderiam ter. Se alguém – homem ou mulher – se autoproclamasse Papa dos Judeus, todos se aproximariam dele e lhe dariam uma palmadinha nas costas, dizendo: «Escuta, Papa, não me conheces, nem eu a ti. Mas o meu avô e o teu tio costumavam tratar de negócios juntos, lá em Minsk ou em Casablanca. De maneira que fica calado só durante cinco minutos e deixa-me explicar-te, de uma vez por todas, o que esse Deus pretende realmente de nós.»
Por outro lado, é algo que está muito arreigado nos genes da cultura judaica. Desde o princípio, os Judeus sempre tiveram o hábito de discordar entre si. Não é por acaso que ninguém consegue pôr dois de nós a concordar sobre algo. Para dizer a verdade, é difícil encontrar um judeu – homem ou mulher – que esteja de acordo consigo mesmo. Porque todos têm a alma e a mente dividida sobre o que quer que seja: todos são dostoievskianos e tolstoianos, ou vice-versa. Isto remonta aos dias em que os judeus ilustres costumavam desafiar o próprio Deus muito abertamente. E em certas ocasiões chegaram a demandá-Lo para que comparecesse diante do tribunal de justiça. Se nos recordarmos de Sodoma, o santo patriarca Abraão, pai dos Judeus e dos Árabes (ironias!), procura salvar a pecadora cidade da ira de Deus, que a pretende destruir. E regateia com Ele como um astuto vendedor de carros em segunda mão. Cinquenta homens justos, quarenta homens justos, trinta, vinte, talvez dez. Quando perde a discussão (e ninguém ganha discussões com Deus), volta o olhar para o alto e pronuncia a ousadíssima sentença; Hashofet kol ha’aretz lo ya’aseh mishpat? «Não faria justiça o Juiz de toda a Terra?» Isto é blasfemo, é ousado, implica dizer ao próprio Deus: pode ser que sejas o líder, mas não estás acima da lei. Pode ser que sejas o legislador, mas não estás acima da lei. Pode ser que sejas a fonte da autoridade, mas terás de te justificar diante de um tribunal supremo de justiça. A justiça está acima de ti... Uma teoria dificilmente concebível noutras religiões.”
In "How to Cure a Fanatic" Amos Oz, 2004
A_Bout:
Litter_Race,
Philo_Sophie,
Polly_Tics
As Coisas V
Mini-Jardim de Cactos / Canas da China: Quando deixei a aldeia para ingressar na faculdade em Lisboa, trouxe comigo uma construção vegetal de cinco pequenos cactos, todos diferentes, num caco de fundo de um vaso grande. Resistiram os cinco anos que vivi na Amadora (na luz da janela da casa de banho) e os dois que estive na Maria Andrade, quarenta e dois, quarto esquerdo (na larga varanda) até que morreram de pois das viagens à américa. De volta à terra, sempre no quarto tive uma cana (eram duas, no início) até que apodreceu este ano – a ausência no alentejo – e a lu me deu uma no seu casamento que agora está ao lado deste écran, no canto da secretária.
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie
07 setembro 2008
The_Universal
Jornal da manhã - A Google faz dez anos: quer conquistar o universo e conhecer os nossos genes; andamos a querer reproduzir-nos para perpetuação dos mesmos ou com medo do envelhecimento da população - agora tê-la-emos a dobrar (mesmo! apesar de gémeos falsos). A manela quebra o seu tabu sobre nada e retomamos a cassete com o sousa (menos conversa e mais acção nesta reentré política!).Luanda tem eleições quase_livres! e a guerra fria aquece com erros de tradução no acordo de cessar_fogo; o viúvo de Benazir Bhutto torna-se presidente do paquistão, as letras dos furacões sucedem-se...
O baixista dos Blur escreveu um livro e a crítica do site PopMatters inicia-se com este excerto, com o qual concordo em profundidade (apesar de em inglês), sobre a Música:
“I do believe music is the highest form of art. It’s the ultimate condition and the highest form of anything. Music is an absolutely fundamental quality of the universe. Films are not fundamental entities, nor are paintings, or sculptures. They represent things and have functions. Music actually is something. Music is omniscient, a quality that echoes across space and time: from the concord and balance of galactic superclusters down to the vibrating 10 dimensional filaments of superstring theory.
The entire cosmos is a musical situation and all artistic and scientific endeavors tend towards music. All life aspires to the state of music. Music is a mystery, pure abstraction, calling from deep to deep. Voices raised in song are louder than when you’re in love, when you’re happy, when you’re sad. Music can make hearts beat faster and cause tears to flow. Melody is a universal language. Harmony is the resting place of consciousness. Rhythm hammers the mind into the right shape. Rock stars are the only real deities. We are the music makers. We are the dreamers of dreams.”
Paraphrased version of the Oxford Univeristy Union speech given by Alex James, Bit of a Blur
Fica aqui o vídeo e a lírica deste hino maravilhoso à vida de hoje (ou ao momento em que lerem isto); tal como o red man diz, agora EU sou mais rosa! - e o beijo final do padre no último segundo!
This is the next century
Where the universal's free
You can find it anywhere
Yes, the future has been sold
Every night we're gone
And to karaoke songs
How we like to sing a long
Although the words are wrong
It really, really, really could happen
Yes, it really, really, really could happen
When the days they seem to fall through you, well just let them go
No one here is alone, satellites in every home
Yes the universal's here, here for everyone
Every paper that you read
Says tomorrow is your lucky day
Well, here's your lucky day
It really, really, really could happen
Yes, it really, really, really could happen
When the days they seem to fall through you, well just let them go
Well, it really, really, really could happen
Yes, it really, really, really could happen
When the days they seem to fall through you, well just let them go
Just let them go...
Boa Semana, regressos a coisas gerais (e até a mais específicas)...
O baixista dos Blur escreveu um livro e a crítica do site PopMatters inicia-se com este excerto, com o qual concordo em profundidade (apesar de em inglês), sobre a Música:
“I do believe music is the highest form of art. It’s the ultimate condition and the highest form of anything. Music is an absolutely fundamental quality of the universe. Films are not fundamental entities, nor are paintings, or sculptures. They represent things and have functions. Music actually is something. Music is omniscient, a quality that echoes across space and time: from the concord and balance of galactic superclusters down to the vibrating 10 dimensional filaments of superstring theory.
The entire cosmos is a musical situation and all artistic and scientific endeavors tend towards music. All life aspires to the state of music. Music is a mystery, pure abstraction, calling from deep to deep. Voices raised in song are louder than when you’re in love, when you’re happy, when you’re sad. Music can make hearts beat faster and cause tears to flow. Melody is a universal language. Harmony is the resting place of consciousness. Rhythm hammers the mind into the right shape. Rock stars are the only real deities. We are the music makers. We are the dreamers of dreams.”
Paraphrased version of the Oxford Univeristy Union speech given by Alex James, Bit of a Blur
Fica aqui o vídeo e a lírica deste hino maravilhoso à vida de hoje (ou ao momento em que lerem isto); tal como o red man diz, agora EU sou mais rosa! - e o beijo final do padre no último segundo!
This is the next century
Where the universal's free
You can find it anywhere
Yes, the future has been sold
Every night we're gone
And to karaoke songs
How we like to sing a long
Although the words are wrong
It really, really, really could happen
Yes, it really, really, really could happen
When the days they seem to fall through you, well just let them go
No one here is alone, satellites in every home
Yes the universal's here, here for everyone
Every paper that you read
Says tomorrow is your lucky day
Well, here's your lucky day
It really, really, really could happen
Yes, it really, really, really could happen
When the days they seem to fall through you, well just let them go
Well, it really, really, really could happen
Yes, it really, really, really could happen
When the days they seem to fall through you, well just let them go
Just let them go...
Boa Semana, regressos a coisas gerais (e até a mais específicas)...
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie
06 setembro 2008
Rosh_Hashaná? Madadayo
Hoje, o dia em que o mundo foi criado, três mil setecentos e sessenta e um anos antes do nascimento de cristo, o primeiro do calendário hebraico.
Visto ser um calendário lunar, esta celebração, associada ao equinócio de outono, só se comemorará daqui a vinte e três dias após o entardecer.
(A meio do nosso quarto milénio...)
Visto ser um calendário lunar, esta celebração, associada ao equinócio de outono, só se comemorará daqui a vinte e três dias após o entardecer.
(A meio do nosso quarto milénio...)
Passam também dez anos da morte do grande cineasta e realizador Akira Kurosawa. O cartaz é do seu último e belíssimo filme e apenas pelo sentimento (não pela compreensão), fica um trailer sobre a formação dos actores para o Kagemusha, que se envolveram na produção dos seguintes Ran, Dream e este - "Não, ainda não!" E ainda, comemora hoje também o seu segundo aniversário, o príncipe Hisahito, o terceiro na linha de sucessão imperial do japão, depois das irmãs Mako e Kako.
Mist_(Off)ery
(já não sei onde fui buscar isto...)
Caríssimos,
Escrevo-vos esta missiva para vos tranquilizar sobre o meu estado de espírito, apesar dos conteúdos dos últimos posts intro_spectivos e de revelações imuno_depressoras. Aliás, esta corzinha mais gayzola serve para vos salpicar um pouco das felicidades que aqui vou sentindo. A adopção e conhecimento dos circuitos desta cidade tem sido feita/o aos poucos com perdições várias e descobertas deslumbradas. Para além da montagem informática do novo gabinete de trabalho e organização estratégica, do convívio e proximidades_cumplicidades com os actuais colegas, as sempre resultantes embrulhadas de cargos pelo poderio instalado, tem-se feito os possíveis por banquetear e relaxar em espaços abertos, calmos e agradáveis. Restaurante perto de casa onde uma deliciosa truta grelhada é preciosamente servida, outros debaixo da casa da colega e depois do viaduto, o mais perto da escola, com corrente mas cuidada comida caseira (e sopinha!), pizzaria nota máxima com franchising pelos arredores; e imaginem no centro histórico, nos jardins de um solar antiquíssimo – a casa dos Coimbras – um lounge aberto de mesas baixas e chaiseslongues abrigadas por guarda-sóis e iluminados por velas, ao som de uma soul_funk, chá de jasmim e gigante batido de limão; ou no alto das ruínas da Cividade, um café_esplanada todo envidraçado tal como uma moderna caixa de madeira aberta para a vista sul dos santuários. Ou ainda o bar no pátio da associação cultural de portas, janelas e caixilhos vermelhos – estaleiro de Velha-a-Branca – acompanhado de favaítos e uma boa conversa*. E o melhor desta noite de bonança foi o café na brasileira, um de saco e outro expresso, apreciando os frissos dourados, as placas comemorativas no interior, sentido e admirando as pequenas gotículas espaçadas que caíam lentamente, reluzentes, através do amplo foco do candeeiro de rua, observando os relógios parados no exterior e no centro do estabelecimento enquanto fumava, esperando a vez do jornal comum (o diário que traz as gajas nuas na contra_capa ou o correio, que é bastante episcopal)...
Só para dizer que estou bem, não se preocupem!
Caríssimos,
Escrevo-vos esta missiva para vos tranquilizar sobre o meu estado de espírito, apesar dos conteúdos dos últimos posts intro_spectivos e de revelações imuno_depressoras. Aliás, esta corzinha mais gayzola serve para vos salpicar um pouco das felicidades que aqui vou sentindo. A adopção e conhecimento dos circuitos desta cidade tem sido feita/o aos poucos com perdições várias e descobertas deslumbradas. Para além da montagem informática do novo gabinete de trabalho e organização estratégica, do convívio e proximidades_cumplicidades com os actuais colegas, as sempre resultantes embrulhadas de cargos pelo poderio instalado, tem-se feito os possíveis por banquetear e relaxar em espaços abertos, calmos e agradáveis. Restaurante perto de casa onde uma deliciosa truta grelhada é preciosamente servida, outros debaixo da casa da colega e depois do viaduto, o mais perto da escola, com corrente mas cuidada comida caseira (e sopinha!), pizzaria nota máxima com franchising pelos arredores; e imaginem no centro histórico, nos jardins de um solar antiquíssimo – a casa dos Coimbras – um lounge aberto de mesas baixas e chaiseslongues abrigadas por guarda-sóis e iluminados por velas, ao som de uma soul_funk, chá de jasmim e gigante batido de limão; ou no alto das ruínas da Cividade, um café_esplanada todo envidraçado tal como uma moderna caixa de madeira aberta para a vista sul dos santuários. Ou ainda o bar no pátio da associação cultural de portas, janelas e caixilhos vermelhos – estaleiro de Velha-a-Branca – acompanhado de favaítos e uma boa conversa*. E o melhor desta noite de bonança foi o café na brasileira, um de saco e outro expresso, apreciando os frissos dourados, as placas comemorativas no interior, sentido e admirando as pequenas gotículas espaçadas que caíam lentamente, reluzentes, através do amplo foco do candeeiro de rua, observando os relógios parados no exterior e no centro do estabelecimento enquanto fumava, esperando a vez do jornal comum (o diário que traz as gajas nuas na contra_capa ou o correio, que é bastante episcopal)...
Só para dizer que estou bem, não se preocupem!
*É a segunda vez que encontro um gajo que me recordo vagamente de uma noite em Lisboa, e se na primeira vez me quis dar o seu número de forma subtil, desta vez, à saída deste local (há uma hora atrás) cruzamo-nos e tentamos mesmo verificar qual foi a situação que deveria estar mais lúcida na memória e, não o conseguindo, ele insiste e eu escrevo o contacto num dos flyers que retirei na passagem. Ah, amanhã devo ir ao museu Nogueira da Silva na universidade, assistir a um recital de piano. E mais não sei...
A_Bout:
Die_Hairy,
Hard_Monnie
05 setembro 2008
Vox_Infandua
[...]
“Sim, já sei que outros sentiram antes de mim o que eu sinto e exprimo; que muitos outros o sentem hoje, ainda que o calem, ainda que o calem. Porque não calo eu também? Pois, porque calam a maioria dos que o sentem; mas, mesmo calando-o, obedecem em silêncio a essa voz das entranhas. E eu não o calo porque é para muitos o que não deve dizer-se, o infando; e creio que é necessário dizer uma vez e mais outra o que não deve dizer-se. Que isso a nada conduz? Mesmo que levasse só os progressistas a irritarem-se, os que crêem que a verdade é consolo, já não seria pouco. Irritá-los e levá-los a dizer: pobre homem! Se empregasse melhor a sua inteligência!... Ao que alguém talvez acrescente que não sei o que digo, e eu responder-lhe-ei que talvez tenha razão – e é tão pouco ter razão! -, mas que sinto o que digo e sei o que sinto, e isso basta-me. E é melhor que nos falte a razão do que nos sobre.
E aquele que continuar a ler-me verá também como deste abismo de desespero pode surgir esperança, e como esta posição crítica pode ser fonte de acção e de labor humano, profundamente humano, e de solidariedade e até de progresso. O leitor que continuar a ler-me verá a sua justificação pragmática. E verá como para agir, e agir eficaz e moralmente, não há necessidade nenhuma das duas certezas opostas, nem da fé, nem da razão, nem, menos ainda, em caso nenhum – de escamotear o problema da imortalidade da alma ou deformá-lo idealisticamente, isto é, hipocritamente. O leitor verá como essa incerteza, e a dor dela e a luta infrutuosa para sair da mesma, pode ser, e é, base de acção e alicerce de moral.
E com isto, ser base de acção e alicerce de moral, o sentimento de incerteza e a luta íntima entre a razão e a fé e o desejo apaixonado por uma vida eterna, ficaria, segundo um pragmatista, tal sentimento justificado. Mas que conste que eu não busco esta consequência prática para o justificar, mas, antes, porque a encontro por experiência íntima. Não quero nem devo buscar uma justificação para esse estado de luta interior e de incerteza e de desejo; é um facto, e basta. E se alguém, encontrando-se nele, no fundo do abismo, não encontra mesmo aí motivos e incentivos de acção e de vida, e, por conseguinte, se suicida corporal ou espiritualmente – quer matando-se, quer renunciando a todo o labor de solidariedade humana – não serei eu quem o censure.”
[...]
Miguel de Unamuno Del Sentimiento Trágico de la Vida, Salamanca, 1912.
“Sim, já sei que outros sentiram antes de mim o que eu sinto e exprimo; que muitos outros o sentem hoje, ainda que o calem, ainda que o calem. Porque não calo eu também? Pois, porque calam a maioria dos que o sentem; mas, mesmo calando-o, obedecem em silêncio a essa voz das entranhas. E eu não o calo porque é para muitos o que não deve dizer-se, o infando; e creio que é necessário dizer uma vez e mais outra o que não deve dizer-se. Que isso a nada conduz? Mesmo que levasse só os progressistas a irritarem-se, os que crêem que a verdade é consolo, já não seria pouco. Irritá-los e levá-los a dizer: pobre homem! Se empregasse melhor a sua inteligência!... Ao que alguém talvez acrescente que não sei o que digo, e eu responder-lhe-ei que talvez tenha razão – e é tão pouco ter razão! -, mas que sinto o que digo e sei o que sinto, e isso basta-me. E é melhor que nos falte a razão do que nos sobre.
E aquele que continuar a ler-me verá também como deste abismo de desespero pode surgir esperança, e como esta posição crítica pode ser fonte de acção e de labor humano, profundamente humano, e de solidariedade e até de progresso. O leitor que continuar a ler-me verá a sua justificação pragmática. E verá como para agir, e agir eficaz e moralmente, não há necessidade nenhuma das duas certezas opostas, nem da fé, nem da razão, nem, menos ainda, em caso nenhum – de escamotear o problema da imortalidade da alma ou deformá-lo idealisticamente, isto é, hipocritamente. O leitor verá como essa incerteza, e a dor dela e a luta infrutuosa para sair da mesma, pode ser, e é, base de acção e alicerce de moral.
E com isto, ser base de acção e alicerce de moral, o sentimento de incerteza e a luta íntima entre a razão e a fé e o desejo apaixonado por uma vida eterna, ficaria, segundo um pragmatista, tal sentimento justificado. Mas que conste que eu não busco esta consequência prática para o justificar, mas, antes, porque a encontro por experiência íntima. Não quero nem devo buscar uma justificação para esse estado de luta interior e de incerteza e de desejo; é um facto, e basta. E se alguém, encontrando-se nele, no fundo do abismo, não encontra mesmo aí motivos e incentivos de acção e de vida, e, por conseguinte, se suicida corporal ou espiritualmente – quer matando-se, quer renunciando a todo o labor de solidariedade humana – não serei eu quem o censure.”
[...]
Miguel de Unamuno Del Sentimiento Trágico de la Vida, Salamanca, 1912.
Agradecimento ao Valkirio pela imagem de Asclépio que trouxe de Rodes. E pelos votos de curas.
A_Bout:
Hard_Monnie,
Litter_Race
02 setembro 2008
E_Levation
Chego a casa, um dos dez apartamentos do décimo andar, onde cada viagem de elevador é uma surpresa social para conhecimento da natureza humana. Ontem, do contentor de papel tirei um catálogo da nova colecção do ikea de uma pilha deles aí colocada; hoje compro o cabo da televisão (que a antiga colega retirou porque seu, juntamente com o trem de cozinha), também um tacho de pega ao lado para fazer um arroz branco a acompanhar o bife de vaca com salada, detergente lava_tudo e cera para domar este cabelo antes que caia de vez. Vejo este episódio da sit-com delirante e janto com os elefantes da tailândia. Aguardo a Anatomia de Grey e a L-World.
Acabei a chorar nesta ressureição: faz esta noite seis meses que iniciei as minhas viagens por este mundo e perceber a que distância está este espaço do meu tempo atrás e quanto crescem as relações_amizades e a esperança... Obrigado, Amigos! Sobre tantos três, não sei o que dizer...
A_Bout:
Die_Hairy
C(h)all_(h)enge
Ora aqui vai a resposta ao inquérito (antes que o verão acabe), K:
(E tenho de continuar o círculo...? Bom, se aceitarem, convido o MBS, o SP e o Catatau - aqui mesmo porque sem lugar virtual - a responderem ao mesmo desafio. Obrigado e Até Já... para não "quebrá a correntchi")
- Se, durante vinte e quatro horas em férias, pudesses assistir aos seguintes, qual a ordem cronológica que organizarias para o fazer - dança/bailado; peça de teatro; exposição; cinema? Uma exposição toda a manhã, almoço por aí mesmo, cinemateca pela tarde, non-stop, jantar leve e teatro pesado, a dança em auditório para começar a noite (já com muita permeabilidade pelo público...)
- Um filme visto ou revisto recentemente e um filme que queres ver ou rever? (não vou ao cinema há tanto tempo...) Corria os Gus Van Sant’s e Wong Kar Wai’s, também o Irreversível pela violência do flash_back e muito Lynch. Gostava de conhecer o ódio (La Haine) e o DonnieDarko.
- Um livro lido recentemente e um livro que queres ler ou reler? O Sol nasce sempre (Fiesta) do Hemingway e voltava ao Crime e Castigo do Dostoiévski.
- Que espectáculo de música recente viste e qual desejas ver? A Feist na aula magna e os kings of convenience na fortaleza de cascais. Gostava de ver a Manuela Azevedo e o Sérgio Godinho juntos (outra vez como irmãos do meio), a Aimee Mann ou o Rufus Wainright.
(E tenho de continuar o círculo...? Bom, se aceitarem, convido o MBS, o SP e o Catatau - aqui mesmo porque sem lugar virtual - a responderem ao mesmo desafio. Obrigado e Até Já... para não "quebrá a correntchi")
A_Bout:
Polly_Tics
01 setembro 2008
Human_Ismos
«Interrogações abrem dúvidas no unanimismo à volta do humanismo. Uma atenção mais aguda descobre um curioso fenómeno: quando a função do discurso humanista se exerce para resolver problemas e fechar discussões em que se estava a esquecer o homem, ninguém pergunta mais nada, mais nenhuma questão se levanta, como se o apelo ao homem acabasse com todas as dificuldades. Quer dizer, como se o conhecimento que se tem do homem reduzisse a zero a ignorância que fez nascer o problema. Ora, é do homem que nós não conhecemos quase nada. É, no fundo da nossa ignorância, quanto ao ser humano, que geralmente nasce o problema. Que sabemos nós do seu psiquismo, do seu corpo, das relações que se atam entre o corpo e a psique; que sabemos nós dos fenómenos sociais, da causalidade do crime, da guerra, do mal? (Lembremo-nos do tom de desespero da carta de Einstein a Freud sobre o mal-estar da civilização...)
Em resumo, o apelo à tomada de consciência do valor central do homem, em vez de fechar os problemas com falsas soluções, deve abrir mil outros debates: que homem queremos, quando (com as novas tecnologias, com a engenharia genética) se deparam futuros alternativos? E estes são ainda puras simulações grosseiras.. O que é bom e mau para o homem? E se o descentramento do homem no universo representasse um bem? Não foi Lévi-Strauss que afirmou que uma das desgraças maiores – do ponto de vista de uma ecologia do espírito – que as sociedades não primitivas trouxeram ao homem foi o de o situar no centro do universo? E de, assim, desvalorizar a natureza e os outros seres vivos, arrancando-lhes o homem para o colocar nun lugar de eleição? Uma boa crítica descentralizadora do discurso humanista não traria afinal benefícios ao homem?
Em Portugal, o discurso humanista ajuda a não pensar. Panaceia universal para todos os males, vive do círculo que acabámos de descrever. O apelo à acção para o bem do homem e da humanidade supõe aquilo mesmo que queremos saber: o que é o homem? Que homem poderemos forjar no futuro? O que é “bom” para o homem e para a mulher? Como o conhecimento da natureza humana, e do que para ela é bom e mau, nos escapa, mas está pressuposto nas ideias humanistas, o discurso que as exprime é vazio. E o apelo ao “Homem”, excepto em casos_limite evidentes (fome, devastações, massacres, etc. – e nestes casos não é sequer necessário recorrer ao “Homem”), revela-se ineficaz e retórico. Quando já não lhes convém, quando deixa de lhes servir de álibi, forças poderosas varrem de uma penada o discurso humanista.»
José Gil (2005) Portugal, O medo de existir pela Relógio d’Água
Em resumo, o apelo à tomada de consciência do valor central do homem, em vez de fechar os problemas com falsas soluções, deve abrir mil outros debates: que homem queremos, quando (com as novas tecnologias, com a engenharia genética) se deparam futuros alternativos? E estes são ainda puras simulações grosseiras.. O que é bom e mau para o homem? E se o descentramento do homem no universo representasse um bem? Não foi Lévi-Strauss que afirmou que uma das desgraças maiores – do ponto de vista de uma ecologia do espírito – que as sociedades não primitivas trouxeram ao homem foi o de o situar no centro do universo? E de, assim, desvalorizar a natureza e os outros seres vivos, arrancando-lhes o homem para o colocar nun lugar de eleição? Uma boa crítica descentralizadora do discurso humanista não traria afinal benefícios ao homem?
Em Portugal, o discurso humanista ajuda a não pensar. Panaceia universal para todos os males, vive do círculo que acabámos de descrever. O apelo à acção para o bem do homem e da humanidade supõe aquilo mesmo que queremos saber: o que é o homem? Que homem poderemos forjar no futuro? O que é “bom” para o homem e para a mulher? Como o conhecimento da natureza humana, e do que para ela é bom e mau, nos escapa, mas está pressuposto nas ideias humanistas, o discurso que as exprime é vazio. E o apelo ao “Homem”, excepto em casos_limite evidentes (fome, devastações, massacres, etc. – e nestes casos não é sequer necessário recorrer ao “Homem”), revela-se ineficaz e retórico. Quando já não lhes convém, quando deixa de lhes servir de álibi, forças poderosas varrem de uma penada o discurso humanista.»
José Gil (2005) Portugal, O medo de existir pela Relógio d’Água
A_Bout:
Hard_Monnie,
Philo_Sophie,
Polly_Tics
31 agosto 2008
Skin_War
"Ela despiu a roupa interior pela cabeça e atirou-a para o chão. Deu um passo para o lado para descalçar os sapatos e ficou alguns momentos imóvel ao pé deles. A seguir virou-se.
Tudo o que acontecera, cada toque e cada olhar, entrelaçava-se na sua pele como a fenda de um vidro estilhaçado em todas as direcções a partir de um ponto, no espaço escuro e transparente daquela noite. Ela olhou para o cubo dourado do baton e viu Lara girá-lo continuamente entre as mãos. Viu David acocorado no chão entre as pernas dela. Viu Lara a acariciar lentamente a púbis.
«A minha pele é a topografia de uma guerra», pensou ela. «Nela decorrem planos e intrigas, lutas de morte, tropas de guerrilheiros, alianças e perdidos de rendição. A minha pele é o território de uma matança cuja evolução não compreendo. Negoceia-se sobre mim, efectuam-se ofensivas cujos objectivos desconheço. Urdem-se escaramuças e não sei contra quem. Fontes desconhecidas fornecem-me rectificações, travam-se acordos e não sei porque preço. Porem a letra é sempre perceptível», pensou ela, e viu o brilho do líquido à volta da boca de David. Viu-o levantar-se e dirigir-se para ela. Viu-o pegar num cabo que Matern lhe passou e enrolá-lo à volta do tronco, dando-lhe um nó e atando-o com a outra mão atrás das costas. Viu-o ajoelhar à frente dela e apertar dois nós corrediços à volta dos tornozelos dela. Viu-o apertar uma barra de metal com aselhas ao gancho preso à corda. As coxas dela abriram-se muito. Ela deixou que isso acontecesse.
E viu-o despir-se. Reparou novamente no seu sexo retalhado. E completamente mutilado. Leu a frase gravada nas nádegas dele. «Chumbo líquido», pensou. O peito queimado e o mamilo arrancado. O umbigo dele era uma cratera escura. David possuiu-a, ergueu-a e sentou-a sobre a mesa. Apertou o gancho da roldana à barra, que Matern baixou do tecto. O eixo foi descendo com o estalido das rodas dentadas. O cabo de aço esticou-se no gancho, e os laços presos aos maléolos dela apertaram."
Thomas Hettche - Nox (1995) nos pequenos prazeres da asa em 98.
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