22 julho 2008

As Linhas de Oz I

Um pequeno Livro de um escritor que agora conheço melhor veio ter comigo e decido aqui partilhar alguns ex_certos de um conto aí presente sobre as razões da sua escrita.
Largos, Livres.

Do prazer de escrever e do compromisso

“Faz a paz, não o amor”, é uma máxima cunhada por mim mesmo que desejo esclarecer desde já, para que não haja mal-entendidos. Não sou contra fazer amor, estou contra confundir amor e paz, o que é sempre uma confusão sentimental. Mas não vou falar de guerra e paz, de paz e amor, de amor e animosidade. Vou discorrer sobre a minha escrita, que é algo incestuoso para um escritor. Há muitos anos, escrevi um livro para crianças intitulado Soumichi, muio pessoal, na primeira pessoa, onde dava a conhecer parte da minha infância. Então um entrevistador perguntou-me : “Por favor, senhor Oz, pode dizer-nos com as suas próprias palavras de que trata o livro?” De modo que, essencialmente,o meu problema imediato consiste em ter de dizer pelas minhas próprias palavras de que trata a minha escrita. O que não vou fazer é analisar ou tentar bater os especialistas no seu próprio terreno. Nem sequer tentarei deixar testemunho de como sou bom escritor. Pelo contrário, vou é contar algumas histórias sobre como me converti em escritor, como escrevo, como sublimo algumas das minhas frustrações e algumas das minhas alegrias. Sei que é muito comum, especialmente na tradição alemã, falar da dor e do sofrimento que a escrita implica. Conheço até a palavra Schmerz aplicada a este contexto. Hoje quero falar sobre a felicidade de escrever. Ou algumas felicidades.

Como sabem, sou um terrível divagador, e a primeira divagação começa agora. Trata precisamente da felicidade: quando tinha doze anos, frequentava um colégio judaico para rapazes, muito puritano, extremamente vitoriano, ainda que não soubessem quem era a rainha Vitória. Um dia, a enfermeira do colégio, a mulher mais curiosa que conheci na minha vida, chamou os rapazes todos – éramos trinta e cinco ou talvez quarenta – à sala de aula. Fechou as janelas, fechou a porta e, durante duas horas, revelou-nos todos os segredos da vida, incluindo todos os mecanismos, todos os dispositivos, onde cabe cada coisa, com todos os detalhes. E recordo-me de todos nós, sentados, muito pálidos, abatidos e surpreendidos, porque, após descrever todos aqueles mecanismos terríveis, falou também dos dois famosos monstros da vida sexual, aAl-Qaeda e o Hezbollah da vida sexual: a gravidez não-desejada e as doenças venéreas. Quase desmaiámos e lembro-me de mim, ainda rapazito, a sair da aula e a perguntar-me “Muito bem, percebo a técnica. Mas por que raioquereria alguém no seu perfeito juízo meter-se em tais trabalhos?” Aparentemente, esta corajosa enfermeira, que tinha descrito tudo, não mencionou os boatos de que a coisa implicava certo prazer. Talvez não o soubesse. Mas no tocante à escrita, com muita frequência, quando oiço escritores a falar da dor, do parto e do sofrimento da sua própria escrita, lembro-me dela.

In “How to Cure a Fanatic” – Amos Oz 2004

4 comentários:

João Roque disse...

Porque não apresentas a senhora enfermeira á senhora Manuela Ferreira Leite?

Special K disse...

Que falta que fazem enfermeiras dessas mesmo omitindo certos aspectos. Faz lembrar a falta que faz uma boa política de educação sexual nas escolas, sem moralismos nem constrangimentos.
Um abraço.

Catatau disse...

Realmente, a nu e a frio, a apresentação deve ter sido um bocado a atirar para o sinistro. Lembrei-me logo da enfermeira Diesel do "Alta Ansiedade" (Mel Brooks) e do seu soutien Jean Paul Gaultier avant la lettre.
Isto de colégios internos, de disciplina mais do que rígida, também me estimula as meninges para manhãs submersas em volúpia. Dormitórios, passos leves, sussurros, respirações ofegantes e gemidos abafados de prazer. Com o aliciante da montra circuncidada.

João disse...

Ora entre a rainha Vitória com corpete madonna na sua girlietour, ou a mfl de branco, com chapéu de enfermeira - qual das duas preferiam a dar a aula_sessão de educação sexual? LOL

Também prefiro as camaratas ou os balneários cheios de hormonas adolescentes! Abraços aos três.

(preparem-se que estas dissertações continuam...)